sábado, 6 de outubro de 2018

O Brasil, a neurose política e o mal-estar na civilização



Por Germano Xavier



FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.


Até onde ou quando poderá a espécie humana, dentro da esfera de sua própria evolução cultural, controlar as mais diversificadas perturbações trazidas à vida pelos instintos humanos de agressão e autodestruição? Esta é a pergunta que Sigmund Freud (1856-1939) nos deixa ao final do seu ensaio O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO, publicado originalmente em 1930, em Viena. Pergunta esta que teima em embalar o sono e o sonho (por que não dizer?) de muitos brasileiros nos nossos dias atuais.

Em tempos de intolerância política, de ódio escancarado, de preconceitos mil, de dualismos aflorados, de bolsonaros e corruptíveis, o pendor à agressão é hoje a arma nada-branca mais utilizada tanto nas discussões em redes sociais quanto em debates na/da vida real. O agressor, o opressor verbal ou atitudinal, por estar a provar algo ou a desmentir um feito considerado por ele falso/fake  e que vai de encontro aos seus "tão bem fundados" preceitos, parece estar sempre em defesa de algo justificável ou justo, mesmo que o outro acabe sofrendo algum tipo de consequência. Freud (2011, pg. 57-58), no ensaio supracitado, vai dizer que a existência dessa paixão pela agressão “é o fator que perturba nossa relação com o próximo e obriga a civilização a seus grandes dispêndios. Devido a essa hostilidade primária entre os homens, a sociedade é permanentemente ameaçada de desintegração”.

Parece não haver mais a possibilidade do errar ou, muito menos, do perdoar. As verdades parecem únicas e invioláveis, até mesmo indestrutíveis. A humanidade parece estar em regresso capital, voltando a um tempo em que a ideia absoluta prevalece sobre a razão e sobre a racionalidade. O cenário político nacional tem sido a prova cabal para essas afirmações. A barbárie fora instalada até onde menos se esperava. O indivíduo é ele e só, e de nada importa o escutar e o refletir conjuntamente com e para o outro. A visão do outro é sempre a lógica impura ou logo é alterada e distorcida, mesmo que à força. O interesse comum não mantém nada nem ninguém. “Paixões movidas por instintos são mais fortes que interesses ditados pela razão” (FREUD, 2011, pg. 58).

Recorre-se a tudo, então, para colocar limites ao instinto do Homem. E aí o problema começa a ganhar tamanho desproporcional. O vandalismo é retomado em todas as suas acepções de sentido. Práticas abusivas, desrespeitos éticos e julgamentos sem embasamento viram cartas marcadas sobre a mesa das negações e das negociações. É quando o não começa a vencer o sim, de goleada e com ajuda da arbitragem (leia-se Poder Judiciário & Adjacências). Toda uma base racional pende para um lado e o equilíbrio torna-se algo muito raro de se ver e, principalmente, de se praticar. Um verdadeiro deus nos acuda ou um salve-se quem puder.

Para Freud (2011, pg. 41), “boa parte da peleja da humanidade se concentra em torno da tarefa de achar um equilíbrio adequado, isto é, que traga felicidade, entre tais exigências individuais e aquelas do grupo, culturais; é um dos problemas que concernem ao seu próprio destino, a questão de se este equilíbrio é alcançável mediante uma determinada configuração cultural ou se o conflito é insolúvel”. O grande pai da psicanálise não retira do caminho a influência do gosto pessoal, do eu e nem do desejo por liberdade que são coisas vivas no Homem, mesmo colocando a liberdade individual em outra caixinha, por exemplo, que não a dos bens culturais.

O modo como vem sendo reguladas as relações humanas no Brasil, e também no mundo, as relações sociais e políticas em si, talvez seja a grande engrenagem gripada dentre todo o maquinário funcional da vida em coletividade dos dias presentes. Hoje, para algo se legitimar, uma maioria precisa se esforçar para engolir o que é indivíduo. Parece ser preciso se opor a toda forma de individualidade para que uma ideia ou uma prática termine por vingar ou para que entre em movimento. Mas todo e qualquer esboço de coletividade não é também um punhado de indivíduos, de diferentes?

Quais paliativos usaremos daqui para frente, do nosso presente para o nosso futuro, para que suportemos as dores, as decepções, as ânsias e as angústias do viver? Será mesmo necessário buscar, sempre que possível, a alternativa mais rápida e mais fácil? Vamos mesmo nos inebriar com altas doses de desumanidade e de desapreço ao próximo? Sabemos que num mesmo espaço não há condições favoráveis para a existência de duas matérias, porém deixar que haja infiltração de substâncias de reflexão no todo desse Corpo é tarefa quase obrigatória. Ou então seguiremos caminhando para os lados contrários, para o acabamento burro do pensamento e que, por fim, nos levará para uma eterna conservação do que é de ordem primária, esquecendo, destarte, que somos seres perfeitamente desenvolvíveis, melhoráveis, aperfeiçoáveis.


* Imagem: http://jornalfatosenoticias.com.br/pt-br/publicacoes/voce-sabe-o-que-e-neuroseij/

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