quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Como era bom e eu não sabia


Por Germano Xavier

Por que ser adulto é tão chato assim? Eu não entendo e parece que nunca vou entender porque mudamos tanto de uma hora para outra. Sabe, no fundo, bem lá no fundo mesmo, eu não queria que aquele garotinho recluso, inventivo e irrequieto, dono de uma arraia enorme e que nunca planou no ar por falta de ventos mais fortes, ficasse assim sem jeito, mais que encabulado, macambúzio até, apagado aqui dentro de mim.

Aqui dentro, mas é bem dentro mesmo, eu queria que aquele menininininininininininininininho consertador de coisas continuasse a consertar as coisas para minutos depois desconsertá-las, e para novamente consertá-las... Que bom mesmo é ser inventador de invenções, construidor de planetas, afetador de águas paralíticas, fazedor de diversidades.

É, bom seria!

Mas tem uma coisa que atrapalha, e é o pior de tudo, meu amigo. É que existe uma palavra cruel no manual do homem. A palavra Tempo. Você já reparou que essa palavra não larga do nosso pé?! Acredito que sim, não é? Por onde quer que andemos, faça sol ou faça chuva, esteja frio ou calor, seja noite ou dia, lá está o Tempo, implacável, impenetrável, pendurado numa parede, atado ao pulso, movido por um pêndulo, ecoando um tic-tac eterno, calculando as horas, cronometrando os passos, registrando os fatos... Não adianta fugir, ele estará lá, sempre. Até onde você menos esperar, lá estará ele, o Tempo, senhor da vida.

Não que ser adulto ou agir como adulto não seja interessante, mas é que ser criança é muito melhor, anos-luz melhor, e você sabe muito bem disso. Ser adulto é como ter uma inflamação em alguma parte do nosso organismo, é como se uma coisa esquisita quisesse explodir, pular para fora da gente o tempo todo. É a adultite, inflamação do nosso lado adulto. Neste caso, é a nossa criança interna que está doida para romper a barreira do corpo e já sair escorregando num carrinho de rolimã ladeira abaixo, rindo aos quatro cantos da Terra. A adultite é fogo, tem casos que nem um divã consegue dar jeito.

Lembra aí, vai! Tente recordar de como era mesmo fantástico ser gente miúda, dono de dente de leite, jogando sonhos para São Longuinho no telhado de casa, e mesmo assim correndo corredores coloridos sem ainda nem poder por causa do sangue vivo na boca. Lembra do pé de umbu que a gente escalava nas tardes calorentas nos roçados da vovozada, das mangas verdes com sal que a gente comia preocupado em não ingerir leite depois, porque nossa mãe dizia que fazia mal e a gente não queria nem fazer o teste para ver se era verdade ou não. Das brincadeiras em cima do monte de areia deixado pelo caminhão da empresa de material de construção quando o pai resolvia reformar a nossa casa. Era tanta alegria, não lembra? E era tão instantânea e espontânea que o Tempo era o que menos importava pra gente. A gente queria mesmo era o pé encardido de brincar na terra vermelha, o grude no rosto de tanto suor bom, a nódoa na camisa novinha em folha de tanto se lambuzar de alegria, as unhas pretas de tanto cirandar de felicidade...

Ah, como era bom e eu não sabia!

A gente dizia dizeres errados e ninguém da nossa turma nos lembrava das tais formalidades oracionais... Que gramática boa mesmo era a gramática da rua, profanada no calor da partida de futebol improvisada, com traves feitas de chinelos velhos e sujos e jogado com bola murcha de tanto quicar nos paralelepípedos. Que tese boa mesmo era a de que depois de um dia de alegria e de dedo topado no calçamento de brincar de esconde-esconde, sempre haveria de nascer um outro dia ainda de mais sorriso na face estampado. Quando se é criança, a gente vive o sonho e sonha a vida. A vida passa como passa a formiguinha no quintal de casa, serelepe, levando risonha a folhinha verde para dentro do formigueiro. É sempre dia de festa, nas chegadas e nas partidas. O fim das coisas é sempre um recomeço e não há espaço para a tristeza nem para a solidão. A gente conseguia ficar feliz até quando não havia ninguém por perto - e, olha, por vezes era bem melhor assim, concorda?

A meninice é um tempo verde, que flutua como flutuava a bolha de sabão que a gente soprava com galho de pé de mamão. Um tempo sem tempo, temperado com as mais doces especiarias, as mais raras e as mais preciosas. Um tempo destemperado por vida, liberto de amarras, tempestuoso para o bem. Porém um tempo temporada, com dia marcado para terminar. Um tempo temporal, chuviscado, torrente, toró, que infelizmente acaba. Porque logo a gente sente o peso das responsabilidades, a carga das tarefas banais, a dor na consciência pelos tempos perdidos e que, desditosamente, não voltam mais.

Ah, como era bom não ter o pesar do tempo deixado para trás!

Como era bom andar de bicicleta sem medo até o "Vai-Quem-Quer", chegar perto das serras da Chapada Diamantina, beirar o céu lá do alto, visitar o Engenho na entrada da cidadezinha, tomar banho nas cachoeirinhas da Caiçara, fingir que éramos desbravadores do mundo, bandeirantes infantes sem medo do pneu da velha bicicleta furar e nos deixar no meio do caminho... Como era bom perambular por aí, chupar fruto verde e azedo na estrada de cascalho que dava para a barragem do distrito de São José... como era bom passar pelas casas de farinha da Quixaba e da Queimada, ver aquele povo rico de histórias e de coração a olhar o sossego do mundo das janelas de suas casas... como era bom desbravar o Mulungú e pedir água de pote de barro para matar nossa sede de novidade.

Ah, como era bom e eu não sabia!

Hoje, do jeito que estou, com meus já vinte e poucos anos, só há uma coisa que me deixa feliz como nos tempos de antanho. É saber que a gente nunca pára de sonhar, e saber que a gente pode ser tudo o que imagina, tudo aquilo que a gente sonha ou que um dia já desejamos ser ou fazer. Acho que é por isso que estou vivo até hoje, porque posso ser aquilo que sempre sonhei ser um dia, mesmo que esse sonho fosse o de abarcar todas as cores e dores do mundo numa folha de papel em branco, armado de uma esferográfica de ponta fina qualquer...

Por Germano V. Xavier.


Uma criança de verdade verdadeira...

Estou de saco cheio de ser adulto. Não quero mais ser isso ou aquilo. Das duas uma: Ou peço demissão da vida adulta ou breve serei demitida por justa causa. Sairei por aí, brincando nas praças, puxando meu carrinho, soltando bolhas de sabão... Também empurrarei tonel velho rua abaixo só para ver o que acontece com o gatinho lá dentro, e vou brincar de gude na porta de casa com os meninos da rua.

Cansei! Ser adulto é muito chato e estressante. Tem que ter resposta certa para tudo e ai de mim se eu ficar calada. Responder "não sei" é falta de coragem e é pecar por omissão. A pior coisa que existe é deixar de acreditar em sonhos. Daqueles que a gente pensa de boca aberta e fica horas imaginando como seria se ele acontecesse. Uma amiga escreveu assim no meu diário: "Lembre-se sempre que, aquilo que somos nada mais é do que fruto dos sonhos que plantamos algum dia, ou seja, das escolhas que fazemos no decorrer de nossas vidas”. Li, reli, refleti e xinguei. Deveria ser um crime não acreditar em sonhos. O verbo sonhar deveria ser entendido como o verbo amar, assim como a expressão "Eu sonho" deveria ser dita com a mesma formalidade emocional que se diz (ou deveria se dizer) "Eu amo".

Falo isso porque existem pessoas que não sonham. E ainda existem demagogos, aqueles que fazem planos e falam como deveria ser, mas não fazem nada para mudar o presente. Confesso que costumo ficar irritada com pessoas que não sonham, que não pensam que um dia poderão ser melhores que hoje. É por isso que quero me livrar dessa vida adulta ingrata.

Certo dia um garoto estava vendendo geladinho na porta do banco, olhou para mim com cara de choro e disse: "Me dá um dinheiro para eu ir pra casa, não vendi nada hoje e não tenho dinheiro para voltar pra casa”. Olhei desconfiada, conhecia-o de algum lugar. Comprei três geladinhos e deixei o troco com ele. Voltei para casa, distribui geladinhos pelo meio do caminho e, assim que olhei para minha mãe, lembrei que ele era o mesmo menino que dias antes tinha pedido café com pão enquanto minha mãe guardava as compras que ele tinha trazido em seu carrinho de mão. Foi nessa oportunidade que perguntei a ele aquelas coisas de sempre. Estuda? Por que não? O que faz da vida? Não gosta de escola, não tem jeito para estudos e nunca pensou que algo poderia ser diferente. Respostas comuns, eu deveria estar acostumada. Mas não, fiquei com raiva, bem feito para a minha gastrite!

Algumas vezes pode acontecer o inverso. Crianças viram adultos de uma hora para outra e pensam que podem enganar qualquer um por causa de uns trocados. Como no dia em que uma menina me viu numa loja de cosméticos e pediu dinheiro para comprar um creme. Quinze minutos depois, em outra loja, pediu dinheiro para comprar um caderno. Foi aí que deu uma vontade de chorar... Por que crianças sonham, não sonham?! Deveriam sonhar, ao menos. Conheço pessoas que fazem questão de não sonhar, mas não são crianças. Também conheço algumas que sonham e não ligam para os sonhos alheios e saem por aí, fazendo de tudo para que a sua vontade seja feita. Crianças não deveriam ser assim, crianças são bondosas e gentis. Ao menos, na minha reles crença de mundo. Eu quero voltar a ser criança, mas uma criança de verdade verdadeira.

Por Jô Moraes (Senhor do Bonfim-BA)

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