sábado, 16 de fevereiro de 2013

Ode a Jorge Luis Borges


Por Germano Xavier

Quisestes, poeta que ferve argentino, na aurora de tua cidade, o rebuliço nos pulmões sequiosos por ares certos, beber tua rua enluarada. Tu, que me ensinastes a andar sozinho nas frias ruas de Buenos Aires, agora descarregas porções de estrelas acesas sobre o colo dos crepúsculos. Enxerguei martes nos planetas escondidos de mim, esconderijo falso sobre minhas carnes de homem. Eu também enxerguei a vastidão das dores. E me senti culpado. Depois, encostado no tronco de uma algaroba, fechei meus olhos e chorei minhas lágrimas. Buenos Aires também é minha. Nas tuas largas avenidas, nasce um barco verde de árvores no rosto de cada um que atravessa o parque. E cada tarde é mesmo um porto, onde as velas, sempre tateadas às ventanias, impulsionam nos mares de nossa essência os velozes e inimagináveis navios da mancebia. E eu me recolho na agitação do teu bairro e contemplo a vida que passa frenética. Tua Argentina, da cor da prata mais pura, é a tua cisterna de estrelas, onde comes das ambrosias mais suaves. O Norte, o Sul, o Oeste e o Leste estão logo ali, no mesmo caminho dos nossos sonhos e delírios. Bastava caminhar, e você caminhou, sempre cauteloso, sempre altaneiro. As madressilvas exalaram o odor da eternidade. A morte está desaparecida em teu quarto, que silencia os rumores nas ruas de corações intransponíveis e de luas instantes. A morte está para os afortunados, na atmosfera dos deuses. A morte que eterniza. E sobraram estrelas cadentes. Conheci o desconhecido, o que passava com pressa, o que andava perdido, o que sublimava. A construção era o meu pai. O veludo de tuas marcas acariciou as lâmpadas e os mistérios. E o que falar da noite?, este cálice que nos acoberta lençóis de pássaros, esta máscara negra em plumas de arcano. Abraçar-te-ei quando sentirdes, vós que sois meu deus, a afetação dos ventos gélidos. E buscaremos a vida, presa nas esquinas inóspitas, como quem busca o rutilante cristal dos diamantes. A pureza é a verdade. A verdade brinca na gangorra de nossas falências e fragilidades, e se escora no corrimão de nossas vaidades. Depois de você, as noites nunca mais foram mesmas. Elas são, agora, como cisnes mágicos voando as nebulosas da cidade. Não deixarei de notar a cor da tinta que usastes para pintar as ruas que passaram teus pés. Não haverá lentidão mais bonita que a alvorada dos teus contornos. Não haverá...


Eu ainda retorno a esse texto, porque preciso.

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