terça-feira, 16 de agosto de 2011

O poeta e o passarinho


Por Germano Xavier

Naquele dia o sol havia amanhecido mais radioso. Eram raras as vezes em que, logo ao alvorecer, os girassóis do mundo estivessem completamente virados para o centro luminoso do astro-rei. Até ali, os dias tinham sido bastante cinzas. Era uma terra muito fértil. Um lugar muito prodigioso. As árvores eram tão altas que, estando em certas posições, ficava completamente impossível enxergar o azul do céu. E o verde das árvores parecia único. A beleza daquele lugar era inquestionável. As águas despencavam, perto das nuvens, formando cachoeiras enormes. As pedras brilhavam, e eram como preciosidades diamantadas pela ação da natureza. Um lugar onde nada faltava, ou melhor, quase nada. Faltava, sim, uma coisa. Mas como, se aqui estão todas as plantas, todos os animais, todas as curas, todas as matérias e todas as formas? Não. Certamente, faltava alguma coisa. Uma coisa. Uma forma misteriosa, capaz de se esconder dos olhares mais desconfiados e ligeiros. Faltava algo, e era como se tudo fosse uma só ausência. Era como se se percebesse um mundo doente e cabisbaixo, repleto de feridas e manchas. Próximo a uma montanha havia um bosque rodeado por cintilantes roseiras e gigantescos ciprestes. As rosas eram de todas as cores, brancas, vermelhas, amarelas, verdes... Porém, ao cair da noite, todo aquele colorido original desfigurava-se em noite escura e, dali por diante, até o raiar do novo dia, nada se podia enxergar. Tudo, essencialmente tudo, ficava encoberto por um véu negro de sombra. Tudo era sombra e silêncio. Nada se ouvia, nenhum pássaro se disponibilizava a quebrar a quietude das horas. Mas faltava alguma coisa, e essa coisa parecia estar muito distante dos sentidos humanos. Naquele bosque havia um passarinho muito estranho, muito diferente dos outros. Quase não se ouvia. Enquanto os outros cantavam suas canções, este sussurrava. Jamais fora visto pelos homens que ali viviam. Chamavam-o de Pássaro-Rei e o bosque era o seu palácio. Diziam que o seu canto tinha o poder de enfeitiçar as pessoas. Havia, entre as pessoas, um certo receio, um certo medo. O que se pensa ou imagina, quase sempre se concretiza. O ceticismo diante dos acontecimentos talvez fosse o mais notável e inteligente dos sentimentos. O pensamento era superstição. Certa vez a terra tremeu. Os ventos desmontaram toda a normalidade das conjunções mundanas. De dentro da pequena floresta emergia um enorme pássaro de asas brancas, e feito a Fênix, fez-se aparecida. As águas se elevaram até conseguirem tocar o céu. As nuvens desceram e tocaram a superfície. O ar tomou a forma de um tufão e abriu um grande vale. Bem no meio daquela abertura ficou o grande pássaro. Depois de bater por uma vez suas asas, ele içou vôo. No lugar onde estava se encontrou uma folha de papel com as seguintes palavras escritas: "O poeta é um pássaro de estranho comportamento. Ele desce de seus altos domínios para pairar entre nós, cantando. Se não lhe rendermos homenagens, ele recolherá as asas e voará de volta aos píncaros". Depois um outro dia.


(24/10/2005)
Citação final de Kahiil Gibran.

Nenhum comentário: