Por Germano Xavier
Não existe sinônimo perfeito, como quase tudo o que há não é ou não pode carregar a perfeição. Esta palavra é um deus, habita o longe, o distante. Uma palavra em branco e, ao mesmo tempo, uma palavra caleidoscópio. A rua era azul de asfalto e verde de árvores. A moça pintada a giz singrou intuitivamente o charco mar de um não-encontro. Exigiu de si mesmo um braço dobrado tristemente e uma mão sustentando a tonelada do rosto. Por vezes era pêndulo o braço. O significado não tinha o tempo que tinha a menina. Nada poderia explicar o mundo naquele momento de apatia existencial, nem mesmo as palavras. Palavras também são falhas.
...
O que fazer quando o outro não vem? O que fazer diante da amplificação de um eu silente, esperançoso por uma página nova? Como agir quando o adormecer da tarde é a própria alma?
...
Havia escrito uma carta de amor a menina. Desejava entregar a ele quando estivessem juntos novamente, naquela tarde, naquela praça, duas almas e dois corpos sob os auspícios da serra que suspeitava a verbosa panapaná que se origina em surpresas fantásticas quando o beijo acontece. A menina, pois, queria o tempo eterno, eternizado dentro e fora de si, em pulsos que latejam, em bocas que se abrem e que se tocam e que se escolhem pares. A menina queria, mas era só um desejo o querer da menina. Ninguém pode adiantar ou manipular desejos. Tem sempre de esperar o desejo sair de cima dos cadernos que não existem e acabar na vista desterrada de algum códice humano e, agradavelmente, deixar-se desesperar...
Ao passo que queria o seu querer, medava a menina. Porque o medo é o negro, o modelo geral da dor. E o relógio tic-taqueando um tempo que rasgava a carne de um coração que apenas ansiara por amar.
Não sabia a menina que amar é cemitério marinho, fragmento de narciso, esboço de uma serpente. Não sabia a menina que desejar o amor é desconstruir a história, desmantelar Duchamp, forçar o demanhar do dia, beber a felicidade pedindo um coda di Gallo numa mescita madrugadora e depois dizer ao autista do itinerário do recolhimento desgraçado de um pobre coração ferido.
A víbora da vida...
Aí é quando toda a paz da natureza sem gente vem sentar-se ao lado do humano, como diria o Pessoa, do humano quando não é cristal o pranto, mas sim língua de comer resto, de lamber despojo, de passar na face das celebrações doentias.
E, sentada, a menina ,sozinha em si, quis querer rasgar a carta, riscar a palavra, abafar o papel perfumado, cobrir a impressão da alegria ingênua, findar a espera, nodoar o vestido novo em decote, sujar o sapatinho preto brilhoso, quebrar as pulseiras coloridas... E foi capaz de fazer tudo o que desejou a menina. Só não foi capaz de apagar o tempo, porque o tempo é foragido sem lei, sabedor dos desvios e dos esconderijos...
Nenhum comentário:
Postar um comentário