Por Germano Xavier
Uma boneca de olhos azuis que repete frases mecânicas em inglês para o seu sobrinho também ultramoderno? Uma caixa de chocolates de diferentes países para o marido chocólatra e alcoólatra? Uma passagem para o mais novo país da moda no Leste da Europa? A velha e boa blusa 100% algodão para o irmão mais velho que não esteve nem aí para você durante todo ano que está findando? Ou você não está podendo fazer escolhas tão apuradas assim neste fim de ano? Faltou organização com as finanças? Faltou sorte com os novos investimentos? Faltou poupar mais? Faltou trabalhar e se dedicar mais? Faltou ter mais paciência e não agir tão impulsivamente? Faltou olhar mais para si? Ou faltou faltar alguma coisa para que você pudesse perceber que tudo está dentro da normalidade e na ordem do dia? A democracia é isso (ou não?), temos tudo nas mãos, uma gama infindável de escolhas, um mundo inteiro parece se mover aos nossos mínimos comandos, e ao mesmo tempo temos a impressão de que nada temos e de que nada somos, posto que tudo está em falta, principalmente nas gôndolas do Ser. Todavia, não faltam superlojas e supermercados nas supercidades, não faltam super-homens nos campos da mídia a nos avisar que basta um cartão de crédito dentro de nossas carteiras para termos superpoderes e superdestinos. Estaríamos vivenciando o supercapitalismo, onde todo mundo é rei e bobo da corte ao mesmo tempo? Creio que não há dúvidas. Todo mundo entre aspas, convenhamos. Porque quem é rei de verdade nunca perde a majestade, não é verdade? Nessa humanidade, vamos lá, 10% são reis de verdade, o restante não passa de um bando de bobos da corte, fazendo o que os reis investidores de Wall Street ou manda-chuvas de Brasília & Cia ou celebridades do Fantástico Mundo da Fama mandam e desmandam em nossos corações e mentes. O sino pequenino já vem batendo e apontando um novo ano em nossa frente, mas antes das luzes das inúmeras e reluzentes árvores natalinas serem acesas em sua totalidade, eu quero insistir neste questionamento: O que você vai dar de presente de Natal no Natal? Como todo bom velho ditado que vai sendo transportado pelo tempo geração após geração, dizem que quem dá também gosta de receber (não pense bobagens, por favor, o assunto é sério), estou errado? Apesar de parecer, até porque não gostamos de pensar em nossos mais reles atos, esta não é uma simples questão. Presentear não é uma atitude destituída de sentido ou algo sem significado. Pelo contrário, presentear é ceder algo em acréscimo a outrem, ou pelo menos deveria ser visto dessa forma. O presenteado, por sua vez, quando ganha o presente, ressignifica-o, dentro de suas possibilidades de compreensão e elaboração sígnico-real, num gesto quase que automático, num evento de abertura e nunca de fechamento ao novo. O outro que recebe, destarte, passa a acessar um conjunto de possibilidades que antes, sem o objeto ganhado, o carinho recebido ou o afeto compartilhado, não seria capaz de sentir e viver naquele justo instante. Portanto, se você não conseguia ver o seu bonito gesto com tamanha amplitude, peço mais atenção da próxima vez em que você for escolher um presente, seja ele qual for e para quem for e em que época do ano estiver. A gente cansa de pedir coisas, reclamar por outras, e termina por não oferecer ao mundo nada para que o tão sonhado “mundo melhor e mais justo” de que tanto almejamos realmente possa ultrapassar a barreira das utopias. Dia desses, conversando com uma amiga, perguntei o que era que ainda podia ser feito para que pudéssemos mudar o mundo, mesmo que poucamente, ou simplesmente o que poderíamos fazer para que nossas ações não passassem em branco durante a vida, sem nada ter deixado de bom para o próprio mundo, e eis que ela me respondeu com algo muito simples e lógico, e não menos inteligentíssimo: “Fazendo com que os pais eduquem e criem os filhos para serem pessoas generosas, menos egoístas, mais amáveis, mais "humanas"... aí sim o mundo poderá ser menos cruel. Deixar filhos melhores para o mundo ao invés de pedir um mundo melhor para os filhos...”, foi a resposta. Curta, grossa, direta, praticável, possível. Talvez seja este o caminho para o tão distante “mundo melhor e mais justo” de nossos sonhos. Ou, quiçá, um dos caminhos para tal. Deixar filhos mais dignos e sabedores das essenciais práticas humanas talvez seja mesmo uma fórmula infalível para derrotar tanta desigualdade e mau-caratismo que muito assola e contamina o nosso planeta. Aí eu pergunto a você novamente, querido leitor, que presente é este capaz de atingir o brio de um ser humano e provocar nele reformas interiores tão profundas que até o que tende a vazar de si após seu usufruto pode revolucionar o próximo? Muitos podem citar, e sabiamente até, o amor, o carinho, a gratidão, o respeito, o apoio, a perseverança, a humildade, entre tantos outros sentimentos que, querendo ou não, são primordiais para o bom encaminhar de uma pessoa perante o desenrolar da vida. Mas, e no campo do material, que objeto teria este mesmo papel? Não fique triste se você não sabe a resposta ou não conseguiu pensar em nada plausível, a realidade brasileira (não seria mundial?) ainda impede a visão clara de tal fato. É do livro que estou a falar. Não há objeto mais completo que um bom livro, assim como não há atitude mais transgressora que uma boa leitura (corrijam-me se eu estiver errado, por favor). Eu sei, você pode não gostar tanto assim de ler, eu entendo, mas não custa nada insistir um pouco nisso. Quem sabe depois de um ou dois livros realmente especiais você não se torne um leitor voraz de palavras e mundos também inesgotáveis e acabe mudando de ideia .. Um bom livro impede a operância na gente da pior das pobrezas, a da alma. Um bom livro oculta inverdades e desenforma certezas. Um bom livro ensina a andar, a falar, a agir. Um bom livro cura uma doença. Um bom livro faz um morto ressuscitar. Não acredita? Eu entendo. Eu posso estar sendo meio romântico demais, mas pense bem, depois de saciadas nossas fomes físicas, é o estômago de nossas almas que necessita de alimento. E isso, um bom livro pode resolver facilmente. Então, você já decidiu que presente vai dar àquela pessoa especial neste Natal? Não? Tudo bem, ainda dá tempo de fazer sua escolha.
3 comentários:
Sempre gostei de dar livros a minha filha, desde quando era muito pequena. Hoje, o mundo "moderno" já dispõe de livros voltados para os pequenos, ainda bebê. Tem até os de usar no banho, que podem molhar, de material apropriado. Acho o máximo isso! pois bem, foi desde aquela época que Sofia começou seus primeiros contatos. Hoje continua cada vez mais cheia de fome de livros. No natal, os tios perguntam antes, mas sempre vem: "1º lugar livros, 2º lugar jogos, 3º lugar bonecas". Mas, acredite, mesmo num mundo onde os pais são mais esclarecidos, as livrarias se mantem cheias, etc etc e etc...ouço muitas pessoas dizendo que é raro ver criança pedir livro de presente de natal. Sei que parte desse resultado foi graças ao estímulo desde cedo, mas a outra parte vem dela gostar mesmo. Gostar de ler é como gostar de artes. É preciso estímulo mas é preciso gostar. Bem, eu que já havia comprado o livro de natal ontem, estando com ela na Cultura, acabei comprando mais um. É uma tentação das melhores.
Sofia, e se Papai Noel não trouxer o que você pediu na cartinha? perguntei. - "Não tem problema, mãe. Vou ser feliz com o que ganhar e com o que já tenho!". Sigamos então fazendo o que sua amiga colocou: criando filhos melhores para o mundo.
Abraços, Poeta! Belo texto!
Olá Germano,
Boa reflexão sobre o próprio significado do Natal, o qual a lógica capitalista de produção nos distancia cada vez mais.
Temos sim que nos educarmos constantemente para não cair nas armadilhas do capital.E com certeza a leitura possibilita esse despertar de nossas consciências e ações.
Um abraço,
Sttela
Isso me inspirou, Germano. Estou compartilhando, e escrevendo algo a respeito. Beeijos!!! :)
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