terça-feira, 8 de junho de 2021

Sobre Corpo Púlpito, de Clarissa de Figueirêdo



Por Germano Xavier


(Cepe, 2015)


Nossos corpos são púlpitos.

Nossos corpos são altares sobre toda uma iconoclastia de símbolos, maquinaria clandestina por onde suores se dissipam, corpo-ancestralidade. Corpo-representação do óbvio. Estantes para amparar estrelas. Voz-arcabouço de embates mil. Astro-rei. Corpo-espectro onde a luta é Sempre. Nossos corpos são teares, rodas que investem nos caminhos do prazer, novelos de espelhos que embotam a alma e outros elos. Nossos corpos cuidam girassóis e avenidas, e o instante é o vácuo aberto para aquilo que nos prendem.

Os corpos aprendem.

Corpo-púlpito, pólen de gentes. Néctar dos deuses. Todo um mar de sensações. O cômodo aquático. A cama perfeita para as vãs morfologias. Corpo-obra, talhado para cada beijo e cada amasso e cada esfregão e cada dorso em coito. Corpo-rio, cidade própria vultuosa, ilha amarga para fogos circunspectos. Nosso corpo é margem alegre para sonhos de mangue. Corpo-Recife, mar que arrebenta. Corpo-beat. Corpo-Pernambuco. 

Corpo é onde se nasce e se cria e se desenvolve e se cresce e onde se morre. Mãos, pernas, folhas, árvores, miragens. Miragens-dedos. Miragem. Corpo remanescente. Aurora boreal no sertão nordestino. Metrópole dos silêncios mais graves. Os sertões. 

A cartografia. 

Nossos corpos são carpintaria de ofício, vício-objeto. Navalha irascível. A deixa para o deixar-se. O poeta é quem abre o corpo, os corpos. O poeta é a víbora, que dilacera a pele ferida. Nosso corpo, nosso mundo, por onde vagamos. Mundo-nós. Cheios de nós, amarras, corpos de hormônio. Corpos com agrotóxico, conservados em água, vinagre e sal. Corp'orgânico.


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