segunda-feira, 21 de junho de 2021

Sobre Gris, de Cida Pedrosa




Por Germano Xavier


(CEPE, 2018)


A cidade cinza de Cida Pedrosa, em seu livro Gris, é a Recife que todos conhecem, não pelo nome, mas pelo seu rosto dúbio, tal qual as duas faces-lâminas do mar (ou do rio - ou dos rios | Capibaribe e Beberibe). Por falar nisso, eis aí uma particularidade da capital pernambucana por demais singular: revelar-se, de pronto, ao menor dos contatos. Recife é uma metrópole sem frescuras, sem firulas, que se abre logo de imediato ao passante e ao seu morador, demonstrando logo de cara quem é ou o que é. Cida Pedrosa, poeta de alma plural e em atitude célebre, coloca Recife em seus devidos lugares. 

Gris tem a delicadeza triste do menino que se perde no meio de um sinal de trânsito, numa atitude circense qualquer, e também a força opressora de uma felicidade de mangue, de quando o caranguejo rende mais que todo um sacrificante dia de trabalho. Gris tem a melancolia de um gozo interrompido por conta de uma batida policial na calada da noite. Surdina metodologia do caos é a poesia-Gris. Amarra, borra de café preto em copo descartável, em mãos perenes de mudar geografias. Gris é Caboclinho de Lança dançando Frevo no Shopping Center Boa Vista.

Gris é cinza de poesia metropolitana, com cheiro de esgoto a céu aberto. Ranço sem cura. Poesia comprometida com as forças menos homogêneas do poder, com as cores diversificadas das misérias humanas, com a ancestralidade da desigualdade de classes, com os lampejos de Amor que deambulam por entre os becos e as vielas da Veneza brasileira. Gris é ponte. Gris é também punhal: fere quem não crê que neste pequeno inferno chamado Recife não há espaço para o sonho. Não se enganem: em Gris há. Mesmo que o sonho capturado de dentro do Muribeca.

No meio do mundo de Recife um Grande-Olho orienta estados de paraíso. Um parco paraíso que atravessa o verde do canavial maldito das Matas, dribla as pedras do Agreste e tece um amparo sob o sol dos sertões do norte e sertões do sul. Recife é todo um Pernambuco. Gris, também. O jeito de olhar de um povo. Povo de mãos trabalhadeiras, que se recusam a desistir, que teimam em sorrir. Poesia imersa em jererês. Vida-toda-Vida. Privilégio.

Plenaberta é a obra que conforta o coração elucidando mazelas, esclarecendo podridões, fazendo remar a vela das barcas da Morte. Gris é o remo. Trata-se de um livro sobre dores severinas, sobre fomes cabralinas, sobre rumores osmanianos e ditos sol(a)nos. Pra abrir e pra fechar os poros. E bem que a gente sua lendo tanta cinzura, o olho esgarça. Cinzeiro é Gris. Recolhe as cinzas do homem daqui e dos de lá também. Foice afiada. Metal introduzido na carne viva. Josué de Castro redescoberto. Uma placa de "proibido  não viver neste local".


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