Por Germano Xavier
Morreu aquele palhaço da minha infância, que aparecia esporadicamente, tacitamente, e que sempre cumpria estadia na praça da minha cidade, em frente ao hospital Américo Chagas. A minha infância não é tão longe assim, por isso sofro ainda com a viva lembrança daqueles cirquinhos de meia-tigela, pousados sobre o chão empoeirado daquela praça, praça abandonada.
Uma meia dúzia de artistas vestindo fantasias em farrapos, leões fedorentos, macaquinhos esfomeados, a menininha nômade com quem sempre me apaixonava, de cabelos loiros, que saltava do alto e dava rodopios de borboleta na frente de todo mundo, as lonas desgastadas, remendadas e já sem vida, sem cor, o carro de som divulgando o espetáculo das 8 horas, um som sujo, chiado, quase incompreensível, o palhaço na frente, a garotada esperando o tempo, aquele tempo, que não passava.
Quanta falta faz a alegria, mesmo a alegria comprada, advinda de um ingresso e de um saquinho de pipoca sem gosto nenhum, senão o da felicidade. Eu me lembro muito bem, a entrada sombria, repleta de lâmpadas cansadas, a cortina pendurada. A arquibancada erguida, de madeira, sempre dava a sensação que alguém, em algum momento, iria despencar. Mas a vontade de rir era mais forte que todos os perigos da felicidade.
Já no interior do cirquinho, a voz anunciando "E hoje, tem espetáculo?", em péssima equalização sonora... e todos respondendo "Tem, sim senhor!!!", para um senhor que nunca conhecemos, nunca vimos o rosto, mas que na nossa imaginação existia e tinha a feição de um palhaço. De um palhaço mesmo, artista que aprendia a arte do riso no próprio circo, e não de um Clown, artista estudado em escolas e cursos circenses.
O meu palhaço, o nosso bufão, era palhaço sem diploma, era o palhaço que precisava ser na hora em que estava no picadeiro, que nos dava passagem, tecnologia humana de ponta, feito de improvisos e instantaneidades.
Mas aquele palhaço envelheceu, o Biancorino que tanto caminhou ao meu lado, o Aziz, o Carlitos, o Carequinha, o Benjamim de Oliveira, o Bozo, todos o bobos, o Mixuruca, o Biribinha, os Dangas do Egito Antigo e até a Hilary Chaplain, todos eles, sem exceção, envelheceram em minha alma. Hoje estão petrificados, empalhados e suspensos em alguma parede do meu coração. Todavia, a criança que ainda há no meu peito, ainda espera aquele carrinho velho, sem farol e fumacento, que passava na porta de casa , e que revelava a indelével e fantástica surpresa de um sorriso no rosto.
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