terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Anjo e demônio (ou um surto na noite)



Por Germano Xavier

Eu tinha que falar sobre o tempo. Muito difícil. Muito difícil. Terminei e não disse nada. Um sermão. Um sermão que veio do pai. O pai sempre agonizava. Não sei fazer. O livro não entendo. Há uma mala na história. Na porta, uma carta. Um ator que deixou. Fiz um ensaio. Eu não era o personagem. Duplo, que vive aquilo da interpretação. Há um resultado na interpretação. Vivi aquilo. Viver. Viver é um verbo que eu acho bonito. Vivência. O poeta é elucidação. Digo a poesia é. Explicação é ser as coisas. Retiro em meu retiro. Não precisa entender. A teoria não existe. A prática não existe. O que existe é a experiência. Inusitada. Sou eu. Recebi convites. Nunca recusei nada. Sou assim. Não admito recusas. Foi quando voltei a atirar o meu filho ao vento e seguir a lida da minha vida. Não quero ser tratado como pai. Os atores sempre fazem transferências. O nível de respeito não é o mesmo dos atritos. Afinidades são respeitadas. Camponeses são importantes num filme de época. Eu não devo ser. O personagem aqui é masculino. Cada vez que lemos inteiro e forte no corpo os personagens entram na gente e aí viramos bichos. Que castigo a caminhada que damos. Que castigo a mocinha morrer no fim. A fotografia é um farto furto. Tanto forte é a presença de uma árvore no pousar de um pássaro. Passarinhos são humanos, como os seus cantos. A circunstância emocional é a própria emoção, uma coisa esquizofrênica é a verdade. A fala nem sempre diz. Pra falar, a gente precisa compreender. O personagem fala com a personagem que há. O trabalho da gente é botar a alma pra fora. E tudo é necessário. Igualamos a sensibilidade de cada um e oferecemos a troca possível e não tivemos defesas nem medos. O uivo é triste e macabro. A mãe está feliz porque vive intensamente a dor e o trabalho e o quarto é a vaca que dá o leite e o leito e o peito mudo infante cotidiana morte da personagem. Camponeses não viajam porque não sabem onde vão. A lua cai e a impressão é o melhor que existe. A existência e o despojamento, um estado de graça. Passamos a não nos achar fáceis. E o menino que existe sempre corre porque o canavial existe e as folhas existem e ele sabe os braços querendo ser anjo e ser o dono dos teus pés dono dos teus pés dono de teus pés de tuas pás e ele agora vai e ele agora vai porque precisa e deixará a família e deixará o irmão e a fotografia esquecida ficará na nuvem da família negra e o som do fim é o som da vida que vai começar porque ele não é igual ao tempo que amanhece na madrugada... porque ele não é.

Um comentário:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"wigilia by *BreathOfIndustry"
Deviantart