domingo, 24 de março de 2013

Ovelha-negra e adjacências


Por Germano Xavier

Lá em casa sempre fui uma espécie de ovelha-negra da família. Bicho desgarrado, sabe... Na verdade, dessa classificação que recebi desconheço a lógica. Nunca fui dado às estripulias ou aos desgovernos ideológicos. Jamais usei algum tipo de entorpecente, nunca demonstrei queda por bandas de heavy-metal. Jurei pela eternidade não deixar de ser fidedigno aos meus pais, jamais importando o teor do questionamento ou obrigação imposta por eles.

Verdade maior ainda é essa: como pode um sujeito como eu ser tido como uma ovelha-negra? Penso que tal termo remete a desmandos, atitudes inconsequentes, badernagens, desobediências e outras coisas piores... Mas, então, por que me intitularam assim?

...

Outro dia, já tarde da noite, fui encontrado por minha mãe no quintal de casa...
"O que está fazendo, meu filho? Vá para a cama, já é hora de dormir!"
"Agora não, mãe."
"Plínio, amanhã você tem de acordar cedo, esqueceu?"
"Já vou, mãe."
"E não se esqueça de fechar a porta, ouviu?"
"Pode deixar, eu fecho."

Àquela hora da noite, a última pessoa que poderia visitar o quintal lá de casa era a minha mãe. Ela era muito medrosa e tinha pavor da noite, da escuridão e de toda a sua aura sombria. Porém, naquele dia, como se fosse de brincadeira, tinha sido justamente a minha mãe, em pessoa, que viera me assustar. "Intuição feminina, e de mãe", pensei.

Então, após a sua saída, continuei a olhar para o céu da minha cidade natal. Sempre achei o firmamento da cidade onde vivi toda a minha infância, ao mesmo tempo negro e estrelado, o mais belo de todos. Ficar ali, perscrutando aqueles pontinhos luminosos, feito círios acesos, estava se tornando um hábito meu. E nunca quis saber se isto era certo ou errado, ou se era bom ou ruim. Eu apenas me deixava levar por toda aquela maravilha. Ficava horas e mais horas fitando aquelas coisinhas, tão interessantes e próximas, e também tão distantes.

Depois de quase entrar em transe, levantei sobressaltado ao ouvir novamente a voz maternal:
"Plínio, o que está acontecendo?"
"Não é nada, mãe."
"Fica aí parecendo um lelé, olhando para o céu... Perdeu alguma coisa, por acaso? Já para a cama, isso é uma ordem! Quem já viu, filho meu agora parecendo não sei o quê, vivendo no mundo da lua... Já para a cama!"
"Eu só estou olhando as estrelas, mãe."
"Não me venha com lero-lero, Plínio! Eu não estou brincando, ouviu! Você vai ter de se explicar ao seu pai amanhã. Você tem sorte dele estar dormindo agora... e eu não quero acordá-lo."
"Mas, mãe..."
"É bom você arranjar uma boa desculpa para eu não colocar você de castigo durante toda essa semana, ouviu?!"
"Eu só estava olhando as..."
"Já chega, vamos!"

...

O dia seguinte foi muito difícil para mim. Fui interrogado por meu pai e, ali mesmo, ficou decretado que eu passaria uma semana longe das coisas de que eu mais gostava, principalmente do céu cheio de estrelas da minha cidade querida.

Foi difícil, mas passou...

Nunca imaginei tais consequências. Daí por diante, eu era a ovelha-negra da família. Simplesmente por gostar de ficar olhando as estrelas, apaixonadamente. O maior título que já recebi até hoje, e também o mais injusto. Por que não ovelha-alva, ovelha-branca ou coisa parecida?

...

2 comentários:

BRUNNO LYMA disse...

Muito bom, posso dizer que comigo acontece o mesmo, só que é em relação eu ficar estudando e lendo várias horas.
As vezes pergunto pra meus pais se eles queriam que fosse um vagabundo um drogado?

Yvana disse...

E toda família que se preze tem uma ovelha negra pra estragar a magia. Se te serve de consolo eu também fui, era a unica filha mulher, mais gostava de umas aventuras de sair pelo rio Paraguaçu aventurando as correntezas do rio,dos morros, de brincar na hora "errada " segundo meus pais, essa coisa de casinha não foi meu forte não, kkk tinha dois irmãos era com eles que gostava de brincar de viajar nos pensamentos dirigindo uma carreta ate São Paulo, brincar de triangulo considerada coisa de moleque. Não que meus pais me considerasse assim Ovelha negra , mais a turma da escola, outros familiares. kkkkkk