Por Germano Xavier
para Ana Lorena.
para Ana Lorena.
É por obrigação que escrevo estas linhas partidas. Simplesmente esse é o motivo. Pura obrigação de um escritor que deve na praça, ou melhor, que está em dívida perante seu público leitor. E isso soa irônico e ainda mais interessante no momento em que o escritor, aqui, não é bem um escritor e o público se resume a uma só figura de alma feminil. Então, esse é um não-texto. Uma coisa, apenas. E o pior de tudo: é um esboço textual ainda sem um tema concreto, pois esse perdeu-se no vazio do tempo, na distância da "impresença". Portanto, ficamos assim: o escritor, que não é bem um es-cri-tor, esforça-se na construção de um texto não-texto e sem "texto" e, por consequência, descontextualizado. Tudo começou quando... Não me lembro mais quando tudo começou, mas sei que um dia, numa certa ocasião, numa certa tarde ou manhã ou noite e numa certa hora isso foi inicializado.
De supetão? Evidente, ou não? Não vale a pena especular, tudo mesmo nesta vida não deve ser "por acaso". Algo mais forte deve existir para que exista a conjunção dos fatores metafísicos-humanos-paradoxais-reais-imaginários que exercem força de atração entre a classe mamífera pensante. Há de ter algo entre os homens e o mundo, simplesmente algo e só. E isso é tudo. Dispensa qualquer tipo de comentário, basta... Bastamos nós. Não. Sempre falta alguma coisa, alguma ação ou prática ou movimento, que tanto pode ser originário de nós mesmos como pode ser derivado do exterior. E eu sinto que estou em falta. Aliás, não raro tenho de conviver com tal sentimento. É quase um costume. Percebo que as pessoas esperam alguma manifestação minha, uma atitude que possa sair desta boca calada e que mais sabe em silêncio permanecer, ou destes olhos mínimos e medrosos - dos olhos espera-se um flerte, um piscar de olhos fatal, daqueles indicadores de fogos.
Mas esse texto não seria um texto se, por trás de todas estas orações e períodos, não existisse um receptor ou, melhor dizendo, um interlocutor. Aqui, é bom que se ratifique, uma receptora. Sim, como eu já tinha empregado, uma criatura feminina. Em toda a sua essência, feminina. Não lembro como a conheci, e isso também já devo ter enunciado. Acredito que já estou ficando chato, é o que me parece. Todavia, todos os escritores que conheço, a maioria por intermédio da leitura de suas obras, foram homens extremamente rabujentos, pegajosos e chatos. A chatice pode ocorrer de diversas formas. É um fator que aqui preciso salientar. Existem chatices. Os que disserem o contrário estarão mentindo. Escritores são paredes, mesmo os mais loquazes. Parece que há uma barreira de ferro maciço entre ele e o leitor, obstáculo esse que só é desmanchado com o advento do "fabrico" e da leitura de seus respectivos livros. Ou não. Os livros, para muitos, também são paredes, e das mais grossas... Estou perdido.
O mundo das palavras medeia a minha brutal insignificância. Sobre o que estava eu a falar mesmo? Não importo. Mas sobre o que eu deveria estar a falar, se este que nasce não é um texto sentido? O que escrevo neste momento é antes uma dor, humana. Deus, haverá quem possa com um não-texto? Do que será capaz tão perverso monstro? Exterminá-lo, seria essa a melhor e mais inteligente maneira de continuarmos? E quem seria o escolhido? O homem é tão capaz assim? Tão digno é o homem? O homem, não seria ele o não-texto em disfarce torto? Então, veio-me agora um naco de lembrança. É tudo um jogo:
- Olá!
- Oi.
- Como você se chama?
- Eu me chamo... eu me chamo Acaso. E você?
- Meu nome é... meu nome é Medo, mas pode me chamar de Desejo. É assim que todos aqui me conhecem.
- Engraçado.
- Graça, onde enxergas?
- São estas árvores, descabeladas.
- Não vejo árvores aqui. Estamos perto do céu.
- Há coisas que não vemos. Essas foram feitas para serem sentidas.
- Mas... como?
- É simples, um exercício apenas. Basta um pouco só de disciplina e de coragem, principalmente.
- Ensina-me?
- Não. Não posso. Não existe professor para esta matéria.
- Por favor... eu te peço!
- Perdão, mas eu não posso.
- Então, é tudo um jogo mesmo.
- Sim, é tudo um jogo.
- Mas, o que você enxerga agora?
- Continuo a enxergar árvores. Elas estão frondosas e com frutos maduros, estes caem e se esparramam em gosma pelo chão frio. Também vejo pessoas. Elas estão caminhando pela nudez de seus descaminhos. Parecem perdidas, como eu.
- Queria ter a tua visão!
- Você tem, e é muito mais que a minha, demasiado ampla.
- Não entendo.
- E nem deveria... os olhos são lâminas doentias, portadores de tétano.
- Você é sempre assim?
- Assim, como?
- Assim... meio...
- Não. Eu sou como o vento, ora sibilo ora me calo. Mas tudo isso me ocorre por dentro e muitas vezes passo despercebido.
- Engraçado.
- Graça, onde enxergas?
- É o teu discurso, típico de um escritor em início de carreira. Ainda sofres a devassa da ilusão!
- Tens razão. Tem um fiapo poético no que digo. Deve ser doença, não sei.
- É, deve ser uma doença. E me parece que é um mal incurável.
- Li algo sobre o assunto. Não estou preparado.
- Mas ninguém está, até que se prove o contrário.
- É verdade.
- É um jogo, esqueceu?
São duas horas da madrugada e eu não sei o que faço para saciar a minha fome. E sinto que ela me mata.
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