sexta-feira, 3 de maio de 2013

Vermute


Por Germano Xavier

"O insensato, quando foge de um vício,
ordinariamente se precipita no oposto"
(Horácio, 65 a.C. - 8a.C.)


dor dor dor quem pode explicar a minha paz quem pode me avançar o tempo e mudar os esquetes ilusórios meu humor e meu abismo... inferior, Gobineau, é o coração superior, é o coração aliciante e não a cor, aquele com um sorriso de desencanto nos lábios, que se ajusta a um descaramento cruel e invade o coletivo de um só. dor quanta dor, vou dopar meu coração com mescalina, entorpecer ele de peiote hupokrités, lavá-lo com humor cáustico, fazer dele o próprio mar... como céus esparzidos, como lumes estelares, são as ridicularias do meu coração, minha artística bomba de néutrons com suas negaças, com suas estratégias barrocas, tum-tum tum-tum. torta dor muita dor, meu coração é uma mina terrestre e vem alguém saltitando em sua direção. sua direção é a minha direção e só há um único caminho. o que vazará sairá de mim, não será alegoria. não haverá um palmo deste chão que não será tingido, atingido pelo vermelho do meu sangue. o vermelho do meu sangue é o coalho do teu ventre. vai tudo amanhecer toldado, os ramos vivos e verdes das árvores, as beiradas das calçadas, as águas das cascatas, tudo corado estará quando você que vem saltitando pôr os pés sobre a superfície da mina. estou prevendo o espetáculo de cores, os voos se distendendo, as coisas se adelgaçando, mesclando-se e dando voz a um lindo arco-íris. por minha causa você entrará no branco do céu, caminhará no prado de deus, colherá as festas da calmaria e do silêncio, passará a amar a paz e como consequência a virtude orgiástica da morte. meu pobre coração imótuo, que só bate bate, tum-tum tum-tum, nasce e morre nas sístoles, morre e nasce nas diástoles, meu coração que aguarda o teu pouso final, encurvado sob meu peito, ele agora espreita a presa, agarra-se às paredes da carne, e sangra. povoado pela visão do inferno, tal qual um bardo em vermute adentrado, bucaneiro do mar em seu rum envelhecido, tetéias da voz voraz e ácida dos leviatãs, meu coração ausculta arrulhos e trinados e gorjeios - será o pássaro da morte?! o que em mim está cheio para ter o peito estufado, tão assim sobressalente? preferível o discreto arcano e o ardor invisível? por que motivo esconder o feio e o sujo que há aqui dentro? infectas infectas infectas. há um canário em mim rufando tambores tum-tum tum-tum. está fora da luz, em desordem, na fenda escura, no desvão imundo, humilde e nobre, escondendo-se, tímido. em seu entorno, órgãos amigos ou distantes, todos medam morrer. não se sente forte por saber que dele dependem os muitos, até raízes. não sabe sorrir o coração que raro se espalma. tum-tum e fareja com a tromba a venosidade viscosa dos líquidos. tum-tum e ladra sem poupar a cor do cobre das artérias. é negro o plasma a esta hora, é escamosa a mancha de tão pobre e tão pobre. causa asco o odor que exala e passeia pela válvula central uma lesma que rasteja. não é o coração que morre de fome, é outra coisa. é outro o raio que erra o seu disparo, é outro o dia que se desveste, outra a vida que falece. é o amor! é o amor! é o amor que me recolhe, meu deus, este morcego! tão bruto ser - quem é mais putrescível? -, vede, quão orgânica é esta sede! parece um olho enorme, uma esponja seca, a sugar a inexorabilidade do tempo. dor dor dor quem pode amealhar a minha paz tão bélica quem pode me atrasar o tempo e esquecer dos esquetes da realidade meu soluço e meu apego. superior, Gobineau, é o coração inferior, é o coração circular entrado na consciência, aquele com uma tristeza de virgem, de assombrados vestíbulos e de meia-noite, que se filia a uma honestidade nua e sabe a dor do sofrer. dor invencível dor, vou condenar meu coração com a droga que é você, fazer tremer a alma no parto mais humano, forjá-lo no quarto a dianteira do prazer. como céus esparzidos, como lumes estelares, são as ridicularias do meu coração, minha artística bomba de néutrons com suas negaças, com suas estratégias de adivinhação, tum-tum tum-tum, vai ser nesta porta que a percepção, dor muita dor, infinita mostrar-se-á ao seu coração, conhecida muralha... seu coração é também uma mina terrestre e vem alguém saltitando em sua direção. sua direção é também a minha direção e tudo de que suspeitamos é que só há um caminho, uma simples viagem, uma só explosão.

Nenhum comentário: