sábado, 18 de maio de 2013

Violante


Por Germano Xavier

a pedidos de Wiliana Coelho,
que vê estrelas em buracos negros


Corpo celeste, luz primeva, incêndio autônomo, imagem plasma.

Violante adentrou o comprido veículo e seus passos recordaram paragens míticas da infância. Lembrou-se de quando o pai a levava para passear no parque em tempos de férias, e quando a ela mostrava o bosque no inverno, o rocio nas manhãs da primavera fria do seu lugar. Vestida agora com roupas mais que juvenis, caminhou serena pelo apertado corredor. Lançava um olhar terrivelmente doce sobre a face mais estranha das gentes. Desconhecida ali, desejou um canto morno onde pudesse recobrar-se, amparada em paz, pois que lhe assaltava os ossos uma dor inesperada. A pequena turba de pessoas instalada naquele rol não impedia o caminhar triunfante daquela mulher sinfônica.

Radiação pressionada, núcleo em fusão, a energia do espaço quem sabe o sol.

Foi resvalando em um e outro e seu corpo tão alma apossou-se da visão primaz. Eu pálido me assegurei do seu olhar antes mesmo que pusesse os olhos em batimento ao meu. Corpo coração exagero não é dizer idéia de rompimento de um instante que é o ceder ao tempo já. Naturalmente curvei-me, pus a imprimir em minhas pernas a força necessária para o levantar completo e, saindo em direção inversa, abri espaço suficientemente confortável para que a moça instalasse suas ancas sobre a poltrona de espuma. Estiquei-me em regresso e à posição em que estava retornei. Violante agradeceu e de pronto voltou o rosto para o vidro da janela.

Massa anã branca, reação crítica centáurica. Colapso supernova a origem do negro fundo vago.

Queria tanto sentir o vento você pode me ajudar?, disse com mansa voz. Sim, também gosto do vento, deixe-me ver se consigo. Faz um friozinho gelado agora e isto me faz lembrar de um tempo antigo e bom. Que lindo, lindo céu de estrelas, perfeito firmamento, veja você, olhe, daqui, chegue mais perto, insistiu. Certa vez li num livro que o que vemos no céu é o brilho morto das estrelas. Achei triste e quase me pus a chorar. Não tem muita lógica, porque o que vale está agora diante de nossas retinas. Dizem que a luzinha que chega até nós é uma luz terminada, que já não existe mais. Os cientistas usam de um certo cinismo arrogante para acobertar suas teses. Quem garante que aquilo ali em cima não existe mais?, retrucou. Certas coisas nunca morrem, sempre acreditei nisso. E você, em que acredita?, na vida ou na morte daquela estrela? Fiz rosto de quem olha para si mesmo e não encontrei opinião. Eu não sei, prefiro ficar em cima do muro.

Alfa disco ômega.

Quem sou para saber se pode haver vida após a morte. Desses fatos sempre me resguardei ao máximo, para não me provar de besta. É tão linda, Violante pregada na janela, curvada sobre o trilho do vidro negro em devoção estelar, ela olhava. Quem inventou tudo isso é um ser maravilhoso!, um ser imenso e maravilhoso!, perceba você que até mesmo na escuridão vê-se o verde vivo das árvores!, elas não são sombras a passar, não são estes espectros esquisitos de agora, são vida também, estarão mortas?, existirá alguém que duvide da seiva que corre lenta e pulsátil no interior de seus troncos, mesmo se na maior das trevas estiverem?, as árvores são as estrelas da terra, tenho sede, você não pode me arrumar um pouco d’água? Sem demora, caminhei em direção ao fundo do ônibus. Tinha lá um receptáculo com pequenos copos de água mineral e blocos pesados de gelo.

A nebulosa planetária, pulso de Vênus.

Para no caso de ela sentir sede durante a noite, aproveitei e peguei copos em excesso. Rápido olhei todo o interior do veículo e todos dormiam seus sonos merecidos. Apenas a janela que dava para a minha poltrona estava aberta e pensei em minha companheira de viagem, ao passo que trazia nas mãos os copos que respingavam seus naturais suores. Para minha surpresa, Violante não estava mais lá. Preso à frincha entre as duas poltronas, um pequeno papel um branco rescendia. Escrito estava fui ver as estrelas de perto, espero você chegar. Sem saber o que fazer nem querendo acordar a todos, sentei-me, tácito, buscando alguma explicação em minha mente. Ali mesmo fechei os olhos e adormeci. Deve ter sido um sonho, nada mais. Quando o sol havia raiado e claro o interior do veículo se encontrava, um dos excursionistas interpelou o vizinho de viagem você viu o rapaz e aquela moça que estavam sentados naquelas poltronas descerem em algum ponto durante a madrugada? E iniciando um bocejo o outro proferiu um despreocupado nãaaaaaaaaaaaao.

Alpha Centauri.

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