UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO
CAMPUS PETROLINA
UNIDADE DE ENSINO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
CULTURA POP E A LITERATURA DE CAIO FERNANDO ABREU:
ABERTURAS PARA O INTRATÁVEL
PETROLINA
2009
GERMANO VIANA XAVIER
CULTURA POP E A LITERATURA
DE CAIO FERNANDO ABREU:
ABERTURAS PARA O INTRATÁVEL
PETROLINA
2009
1 - INTRODUÇÃO
Caio Fernando Abreu, jardineiro, está dando risadas onde quer que esteja enquanto escrevo este texto. O sorriso dele é tímido, cínico, afetuoso, cinematográfico, teatral. Há em seus dentes um certo branco de ironia, tão natural quanto a vontade de viver que lhe corrói os ossos. Caio Fernando Abreu, jardineiro nascido em Passo de Guanxuma – sua Macondo, a la Gabo -, hoje Santiago do Boqueirão-RS, é daqueles raros exemplares humanos que sabem muito bem cuidar dos seus próprios espinhos, das suas próprias ervas daninhas, de suas respectivas arestas ou protuberâncias. Poucos jardineiros souberam sulcar a terra do seu jardim com tal zelo e devoção quanto ele, que afastava pacientemente as saúvas e eliminava todos os caramujos ruins das proximidades de seus girassóis, tão girantes e ensolarados.
Caio Fernando Abreu, o outsider, o escritor Pop, o jornalista e o jardineiro, é um menino que não segue a ordem natural das coisas, da vida. Um garoto que morre, nasce, cresce, morre novamente antes de viver, recresce, desmorre um pouco, trabalha, alegra-se, enfadonha-se, vive, morre, morre, vive, vive, ama, odeia, ama... Homem avesso, mulher mergulho, homossexual hetero. Caio Fernando Abreu não é uma imagem definitiva, tampouco poderia almejar ser. Mas é um homem ao todo, fragmentado e unido num panorama maior: sua caminhada.
O escritor de Morangos Mofados e Os dragões não conhecem o paraíso, sem grande esforço, leva-nos a percorrer todas as glórias e todos os fracassos de sua curta-longa vida. Artista das letras que queria estar sempre no olho do furacão, envolvido com o seu tempo, principalmente usando o seu tempo até onde desse, até onde pudesse, mas que também era capaz de se esconder de tudo por dias a fio e cultivar a roseira do silêncio mais profundo.
A escrita Pop de Caio Fernando Abreu pode ser resumida como sendo a perspectiva de um ser humano ao extremo, que muito amou, muito mesmo – ou não. Que conjugou o verbo-mor amar com muita facilidade, com muita dificuldade, misturando desapego e fome. A linguagem de um magricela obeso e genial, de voz fina e grossa, de um profissional errante, de um viandante global desacostumado a acostumar-se com qualquer um ou qualquer coisa. Homem sem casa dono de todos os territórios, de um poeta do conto, de um cronista romântico e dramático, de um ator de si mesmo, assassino feliz de sua própria vida, autor que burilou sua morte com a foice mais cortante.
Amigos, influências, viagens, idas e vindas, trabalhos, anos 70 e 80, drogas, serenidade, amores e desamores, desilusões e alegrias, encontros e desencontros, de tudo um pouco a obra de Caio Fernando Abreu aborda. Sendo que no fundo de tudo isso, a presença sombria da AIDS pervaga o enredo de seus textos nos últimos dias de sua vida. Eu sei que ele está dando risadas agora por eu estar escrevendo isso, como também sei que está muito feliz porque ele sabe que não sou um fã de Caio Fernando Abreu, mas um amante, do jeito que ele sempre quis, que fôssemos amantes dele e não tietes.
Caio está vivo como até hoje vive o jardim que ele deixou no bairro Menino Deus, lá em Porto Alegre. Vivo como a alma deixada na Casa do Sol e na Casa da Lua, moradas da amiga e poeta Hilda Hilst, como as pegadas registradas em solos (estranhos?) estrangeiros, como a escrita de verdade no primeiro time de jornalistas da revista Veja – ainda no tempo em que era uma revista e não essa coisa que é hoje -, como tanto, com tantos...
“Você é Quixote. Você é Quixote, Caio” – dizia Clarice Lispector quando ao lado dele numa manhã de autógrafos.
2 - JUSTIFICATIVA
Este projeto discorre sobre as prováveis nuances ou marcas lingüístico-textuais que situariam a obra do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu no que hoje se convenciona chamar de literatura Pop. No intuito de operar um exercício de organização e aferição de informações histórico-narrativas presentes em contos, novelas, peças teatrais e crônicas, entre outros gêneros utilizados pelo autor referido, aliando a isso uma espécie de confrontação dos dados adquiridos com os instrumentos da análise e da criação literária, o presente estudo entra em contato direto com o espectro da formação identitária dessa determinada “escola” artístico-literária.
Na tentativa de eliminar características que se apresentem flexíveis dentro de mais de uma “escola”, busca-se, aqui, vislumbrar o que há de mais intrínseco ao universo da literatura Pop. Constituindo-se de alguns sustentáculos primordiais, como por exemplo o estudo sobre a origem do termo, seus precursores e mais importantes obras, assim como seu atual estágio de desenvolvimento dentro do panorama literário brasileiro e mundial, a dada pesquisa projeta, ainda que de forma resumida e inicial, a possibilidade de, utilizando-se dessa estirpe literária, construir um campo de maior problematização e discussão, dentro do ambiente escolar, referentes às temáticas sociais e humanas verificáveis na obra de Caio Fernando Abreu.
A significação do tema escolhido, sua novidade, sua oportunidade e seus valores acadêmicos e sociais são evidentes, haja vista o parco acervo documental-histórico concernente à questão da literatura Pop em território nacional, aos seus sintomas e suas maiores demandas, tanto no que tange à esfera da própria academia quanto ao debate social. O trabalho, desse modo, ganha peso e importância, pois servirá como mais um instrumento oportunizador de condições igualitárias de acesso indiscriminado ao contexto informacional ao qual está ligado. A dificuldade em encontrar apoio material acerca da literatura Pop, principalmente na região do Vale do São Francisco, pode fazer com que haja um certo distanciamento entre gerações, impedindo a fundação de um espírito de coletividade e dificultando a apreciação mais justa dos diversos assuntos constituintes da ordem social.
Num plano maior, o presente projeto corrobora a idéia de que ainda é tempo de melhorar o panorama educacional do nosso país. E é atuando no ambiente social, munidos de todas as ferramentas necessárias – a literatura é uma delas -, que poderemos obter resultados mais satisfatórios e que nos preencham de uma esperança imensa no potencial humano transformador.
3 – PROBLEMA
O problema central desta pesquisa, haja vista as diretrizes já enfatizadas na justificativa, volta-se para o seguinte questionamento: que aspectos e características aproximam o livro Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu, do universo da cultura dita Pop?
Embora o foco principal esteja voltado para a obra Morangos Mofados, o conhecimento que envolve a cultura Pop e a literatura faz-se necessário para o entendimento da obra em questão. Para tanto, alguns questionamentos direcionam o campo de estudo até chegarmos ao ponto crucial: O que seria Cultura Pop e Literatura Pop? Como surgiram? Que acontecimentos históricos marcaram o início do gênero na literatura mundial e brasileira? Que características podem ser definidas como pertencentes à literatura dita Pop e como elas são trabalhadas nos textos/contos do livro de Caio Fernando Abreu?
4 - OBJETIVOS DA PESQUISA
4.1 - OBJETIVO GERAL
a) Identificar, a partir da análise do livro Morangos Mofados, de Caio
Fernando Abreu, elementos inerentes à cultura pop.
4.2 - OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Identificar variantes conceituais conexas ao termo Pop, tendo como base as teorias pré-existentes;
b) Investigar os aspectos sócio-históricos que ajudaram a fundação do termo Pop, assim como suas ligações com a literatura;
c) Compreender a inserção da obra Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu, no contexto da literatura dita Pop;
d) Verificar, a partir de análises textuais, a presença de elementos lingüístico-temáticos essenciais ao universo da literatura Pop.
5 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Em entrevista concedida ao doutor em letras pela PUC-RJ, Marcelo Secron Bessa, em 1995, o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu declara:
“Acho que sou uma figura um pouco atípica na literatura brasileira (...) Na minha obra aparecem coisas que não são consideradas material digno, literário (...) Mas deve ser insuportável para a universidade brasileira, para a crítica brasileira assumir e lidar com um escritor que confessa, por exemplo, que o trabalho do Cazuza e da Rita Lee influenciou muito mais do que Graciliano Ramos. Isso deve ser insuportável. Você compreende? Isso não é literário. E eu gosto de incorporar o chulo, o não-literário.” Retrato de uma nova ordenação ideológica no mundo das letras e da cultura, de um caminho de inovações e renovações mais visivelmente trilhado a partir da década de 80:
“Desde a década de 1980 a arte pop se tornou um topus recorrente no reexame da ideologia da modernidade, este balanço a que a antevisão precoce do desfecho do século XX compelia, em face do recrudescimento do contencioso político, econômico e social que se acumulara no processo de exaustão de mais uma era de modernização.” (SALZSTEIN, 2006)
A fala do escritor gaúcho reforça a existência de um mecanismo classificatório muito antigo. Estabelecer parâmetros para que a abordagem de determinados assuntos aconteça obedecendo-se a uma linha mais uniforme dentro dos diversos segmentos do conhecimento, sempre foi um dos preceitos da sabedoria humana e, porque não dizer, também um recurso demasiado polêmico. Com a cultura e a literatura não foi diferente. A partir do momento em que, dentro de seus respectivos universos, foram surgindo bifurcações, rotas com características diferenciadas entre si, fez-se inevitável a efetuação de uma classificação/nomeação de ordem sistemática, tendo como ponto de apoio os elementos basais que as norteiam.
É justamente dentro desse esforço estratégico e intelectual do homem que as nomenclaturas denominadas Cultura Pop e Literatura Pop foram forjadas, agregando-se a elas um novo padrão conceitual, com marcas e alicerces próprios. No caso do termo Cultura Pop, também chamada por alguns de Cultura Popular ou Cultura de Massa, a estrutura fundante dialoga, indubitavelmente, com o conceito de povo imiscuído às suas particularidades de ordem socioculturais extremamente ligadas à atualidade.
“
Cumpre, portanto, admitir que o interesse dos anos 1980 pela pop continha uma centelha de revelação em meio a um punhado de mistificações ideológicas (não duvidemos de que a atitude essencialmente includente do novo circuito artístico internacional se exercia nos quadros de uma re-hierarquização de poder em nível mundial, segundo a qual centros de decisão estrategicamente difusos continuavam a regrar a forma e a qualidade do aparecimento dos “contextos periféricos” nos eventos e instituições desse circuito).” (SALZSTEIN, 2006)
Se “periférica” ou não, se mais ou menos relevante, é impossível tratar do tema sem se preocupar com as determinações que os centros de difusão midiáticos, em sua maioria indústrias culturais, que disseminam, através de périódicos, livros, revistas, cinema, televisão, música e etc, exercem sobre os novos e diversificados panoramas envolvendo comportamento e ação humanos. A interação que perpassa entre esses meios e as pessoas, aqui tratadas como consumidoras de cultura, dão liga à intencionalidades históricas e ajudam significativamente na elaboração de um entendimento mais eficaz de todo o processo.
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De fato, as novas massas que no curso dos decênios subseqüentes acorreram à sucessão atordoante de eventos artísticos e às novas bienais inauguradas mundo afora demonstravam que o público da arte se havia alargado para muito além das antigas classes médias urbanas tangidas pela cultura universitária, e que o mercado de produtos culturais se internacionalizava descanonizando fronteiras de bem estabelecidos pólos hegemônicos.” (SALZSTEIN, 2006)
A estética literária Pop , assim como a cultura Pop, faz parte de uma socialidade. Assim vistos, produtos culturais de toda ordem seriam poderosos elementos de interligação entre indivíduos. Dilemas existenciais, referências do e ao mundo Pop, conexão com as constantes variações do cotidiano geridas pela sociedade de consumo, temas essencialmente urbanos, representativos da explosão dos blogs e da informática, são também aspectos que conseguiram elevar a literatura dita Pop ao status de arte, sem que para isso tivesse de se igualar, de algum modo, aos modelos artísticos classificados como eruditos.
“
Bastardia, vulgaridade e boêmia — essa fórmula moderna segundo a qual arte e cultura se contaminavam sem perderem suas jurisdições respectivas — eram a um só tempo o subproduto da esfera pública burguesa e o que propriamente pressupunha o poder normativo desta; eram o que lhe testemunhava a universalidade, mas que ao mesmo tempo recomendava que esta deveria ser sempre repactuada, na exata medida em que a transgressão persistiria flanqueando-a à meia luz,de maneira apenas suficiente para obter um reconhecimento tácito”. (SALZSTEIN, 2006)
Nesse ínterim, percebe-se a germinação de um modelo literário que, apropriando-se de signos e mitos compartilhados pela sociedade de consumo – e por sua vez pela cultura de massa, iria efetuar um maquinário de dessacralização da arte e da cultura. Era o nascimento da Literatura Pop, auxiliada, no Brasil, pela
“euforia do consumo cultural da década de 80” (PRYSTHON, 1993). Apresentando-se numa atmosfera de crítica, mesmo que disfarçada, representando singularmente o corpo e o erotismo, fundindo linguagens utilizadas por outras correntes, quase sempre aproveitando o caráter subversivo das mesmas, buscando o ímpeto contestador, assumindo posições sobre sexualidade e amor, interligadas às mudanças ocorridas no mundo nas últimas décadas, a Literatura Pop ganhou status e legitimou-se como uma verdade dentro do universo maior das letras.
6 - METODOLOGIA
A pesquisa para a elaboração do respectivo projeto monográfico pode ser classificada como pertencendo aos tipos: Bibliográfica, abrangendo leitura, análise e interpretação de textos e documentos, no intuito de observar, registrar e analisar os fenômenos desejados; a abordagem é do tipo Qualitativa, partindo do pressuposto de que dar-se-á ênfase a toda uma complexidade envolvendo os temas envolvidos, a saber Cultura Pop e Literatura Pop. Com isso, subtende-se que não será elaborado nenhum tipo de questionário, assim como nenhuma forma de entrevista ou outro sistema de coleta de dados, já que todo o processo produtivo basear-se-á em leitura, análise e interpretação textual. Toda a mecânica utilizada será praticada para que o pesquisador demonstre verdadeira proximidade com o objeto de estudo.
BIBLIOGRAFIA
ABREU, Caio Fernando. Morangos mofados. São Paulo: Brasiliense, 1982.
----------------------------------. Ovelhas Negras. Porto alegre: L&PM, 2002.
----------------------------------. Pequenas Epifanias. Rio de Janeiro: AGIR, 2006.
----------------------------------. Pedras de Calcutá. São Paulo: Alfa ômega, 1977.
BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994.
DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1982.
FREITAG, Barbara. A teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 1990.
HABERMAS, Jurgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990.
LIMA, Luiz Costa. org. Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
PRYSTHON, Ângela Freire. Absolute Beginners: cultura pop e literatura no Brasil dos anos 80. (Tese de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, 1993).
SALZSTEIN, Sônia. Cultura Pop: Astúcia e inocência. Disponível em: http://www.cebrap.org.br/imagens/Arquivos/cultura_pop.pdf (acessado em 10 de junho de 2009)
SCHARTZ, Jorge. Vanguarda e Cosmopolitismo. São Paulo: Perspectiva, 1983.