terça-feira, 20 de agosto de 2013

Verbo puro


Por Germano Xavier

Pálido pode ser o meu sangue,
sem-vermelho, rosada água grossa,
mas minha palavra não. Ela é
o que tem de ser, o que tem de sair,
o meu vômito e a minha dor instalada.
A palavra que possuo é antes a parte
sem parte de mim, o doce coagulado
feito de fel, minha incandescência.
Eu escrevo porque o verbo me preenche
de uma lama sadia, de um lodo podre
e pobre, sem o qual não vivo, não viveria.
É a minha sujeira que extravasa no papel,
que o mancha, que vira borra, uma porra.
Eu sou a palavra que não posso ser,
a agulha sem ponta que perfura, que entra
rasgando a carne da pele do osso do fosso
da parede da fossa. Está em mim a minha falta
de existência, meu rosário de elegias,
minha ingratidão sem porquês. E hoje,
após reaprender a matar, calculo o meu sopro
na boca do canhão, e trago a fumaça para dentro
do peito, na intenção de separar o que penso
das gestatórias molduras de deus.

2 comentários:

Roque Oliveira disse...

Quando leio publicações como esta passo a não mais me situar no impossível mundo do único. Liberdade dada ao imaginar livre do gerenciamento mental. A quase liberdade total.

Daniela Delias disse...

Não tinha visto...puxa, acho que está entre os mais bonitos. Tem uma força incrível.

Beijo!