segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Alice no país da escuridão


 Por Germano Xavier

Ela apareceu no rol do primeiro andar. Era uma velha casa em uma velha rua. Não haveria nada para se dizer, nada para se pensar, nada para se escrever, absolutamente nada, até o surgimento daquela criatura. Nada demandava esforço ou preocupação. Nenhuma aleivosia e nenhum sufoco. Mas passou a existir uma figura, e é a partir dela que construo esta personagem. Sim, a personagem. Uma criatura feminina. Vestia o contraste das pequeninas bolas brancas com o azul-turquesa no seu vestido. Também uma finíssima sapatilha de pano preto. O cabelo era curto, metade branco, metade preto e estava de todo unido por uma fita vermelha. Caminhou até a sacada do apartamento, apresentando um caminhar lento e trôpego. Da porta que dá para a sala de visitas para onde estava agora não se tinha mais que quatro metros. Distância que ela cumpriu em um minuto, pelo menos. Encostava suas mãos nas paredes como se fossem guias. Talvez as paredes fossem suas mais vivas amizades. A velha rua parecia se movimentar freneticamente, enquanto a senhora, que deveria ter perto de seus oitenta anos de idade, expressava tão gritantemente a quietude quase secular de seu silêncio. O trejeito único de seu semblante faria qualquer ser sensível meditar sobre a morte e a vida. O sol ardia o meu rosto e tudo era uma só manifestação de estio. Depois fiquei sabendo que se chamava Alice. Agora ela andava de um lado para outro, segurando na grade frontal o seu tombamento presente. Dava passos numa sôfrega e angustiante lentidão. Sua tez flácida e alva e seus olhos quase fechados por causa da luz pareciam esperar alguma elevação superior, de ordem divina e de caráter último. Franzia a testa numa tentativa de observar as pessoas que passavam nas calçadas. Porém, percebia-se uma incapacidade de proporção colossal em toda aquela vontade. Imaginava-se presa, amarrada pelas algemas da vida. E eu fiquei a observá-la por um breve instante. Foi quando Alice pôs-se a caminhar em direção à sala, onde sentou numa cadeira de balanço a espreitar as horas imprestáveis e infames do mundo. As horas imprestáveis e infames do mundo. Talvez estivesse entre a vida e a morte, e aquele balançar triste na cadeira forrada fosse mesmo os signos totais da indecisão e da dúvida.

29 de outubro de 2005

Um comentário:

Milla Carol disse...

muito legal, caraca muito viajado
passei lendo que nem vi o tempo passar