quarta-feira, 13 de junho de 2012

Cidades sem música "erudita"



Por Germano Xavier

Juazeiro e Petrolina tem déficit na cultura da música dita “clássica ou erudita”

“Não sei nada sobre música erudita”, pragueja a estudante de História Lilian Silva, de supetão, quando abordada por nossa equipe. Talvez ela nem desconfie da significação de sua frase, mas as palavras proferidas por ela, naquele momento, representam o conceito predominante acerca de um segmento musical mais apurado e que é compartilhado pela maioria da população brasileira, do nordeste e, para afunilar ainda mais, das cidades de Juazeiro e Petrolina. Ainda hesitante, devido à nossa presença, Lilian continua a construir enunciados, na tentativa de opinar sobre as fronteiras existentes entre o que poderia ser considerado “popular” ou “erudito”, dizendo: “Acho que as pessoas consideram o que é popular tudo aquilo que é diferente do erudito... como se o que fosse oriundo do povo não pudesse ser tido como “clássico” ou “rebuscado”... como se “clássico” fosse apenas o que é “refinado”. Isso é evidente. Se você falar em cultura como manifestação artística, invariavelmente você estará falando de duas facetas, o “clássico” e o “popular”. As pessoas sabem que existe uma espécie de divisão, mas creio que não seja algo ainda claro nas suas cabeças”.

O termo “música clássica” é sabido até por quem nunca ouviu falar de seus maiores representantes, porém ainda é pouco entendido. Para Marivaldo Pereira dos Santos, vendedor da papelaria Bom Pastor, em Juazeiro, “clássicas” são as músicas instrumentais e as evangélicas. “Eu tenho, para mim, que os corais das igrejas, o gospel , as bandas das escolas, as filarmônicas e os chorinhos são os verdadeiros “clássicos”, conjetura o comerciante, de chofre. Parece que o inconsciente coletivo, até aqui, revela-se de tal maneira imperativo, regendo uma turba de declarações. Todavia, de acordo com os especialistas, que também não chegam a um consenso, o “clássico” vai além dessas definições.

Para o professor de piano, Josué de Belisário, estudos sobre o assunto deixam transparecer, pelo menos, três definições para o termo “música erudita”, ou “música clássica”. Acerca da primeira delas, segundo ele presente em muitos dicionários, Belisário explica: “Esta define e restringe a música erudita como sendo música ”séria", em contraponto à música popular, esta vista como sendo música folclórica, música ligeira, sem grandes demandas em sua composição”. Tal definição, talvez, não seja a mais justa a se fazer, isto se considerarmos que um gênero musical, para ser sério, não precisa, necessariamente, ser ou assemelhar-se à música “erudita”.

Considerada como contrária à música popular e como “digna de respeito”, a música clássica apresenta como características de sua segunda definição tanto a clareza e o equilíbrio, quanto a objetividade na sua estrutura formal. “Embora se diga que ela possui a capacidade de eliminar qualquer expressão ou manifestação de subjetividade, emoção exagerada ou a falta de limites de uma determinada linguagem musical, o espectador dela procura, geralmente, emoção, fruição estética e surpresa, ou algum estímulo intelectual, reflexivo e filosófico, na linha de muitos compositores contemporâneos, o que acaba sendo um tanto que contraditório”, complementa o professor.

Perguntada se há uma espécie de segregação quanto aos gêneros musicais, a estudante de psicologia, Leilane Paixão, conclui: “Música popular é algo que é comum a todas as camadas de uma sociedade. Digamos que este segmento consegue ser acessível a todos, em igual frequência. Música erudita me passa a impressão de ser algo mais culto e não tão acessível e presente às camadas ditas “populares”, mas a uma classe mais burguesa, sabe.. mais intelectualizada e com uma maior aquisição financeira. Não conheço e jamais ouvi falar em algum projeto que incentivasse o estudo, a pesquisa e a prática da música clássica nas duas cidades. O que se percebe são eventos esporádicos, geralmente motivados por alguma comemoração maior ou alguma festividade tradicional. É quando se consegue enxergar uma ou duas bandas filarmônicas tocando nas ruas. Isto está mais do que claro, a gente não vê mesmo esse tipo de produção”.

Quando já íamos nos despedir e agradecer pela entrevista, Leilane levanta a voz e diz: “Ah, olha, vocês sabem como eu entrei em contato com esse estilo musical? Não? Pois vejam... primeiro que, quando era criança, costumava assistir àqueles desenhos da Disney... Mickey e Pato Donald, por exemplo. Não sei se já repararam, mas muitos episódios tinham como trilha sonora a música clássica. Recentemente assisti ao filme ”O Segredo de Beethoven" e me apaixonei pela história dele. Ele era praticamente surdo, e a música saía de dentro dele, sabe... super fascinante! Ele disse que só aprendeu a se escutar, quando perdeu a audição, e fez composições maravilhosas assim, mesmo surdo. Ele era esplêndido, fez músicas que tocam a alma. Gosto de coisas profundas assim...e a relação com os desenhos animados que citei, está justamente no fato de que eles passavam várias músicas de Beethoven”.

Ainda no âmbito de tal questionamento, a pedagoga Joana Moraes, que diz comprar e ouvir discos eruditos com freqüência, como os de Mozart e os das Sinfonias de J. Paiva Neto, é ainda mais enfática. “Música e cultura popular são derivados da cultura da massa, do povo. Já a música e cultura erudita são derivadas de algum movimento intelectual”, diz, sem titubear. Joana, nesse instante, ainda interage ironicamente com nossa equipe de reportagem, dizendo: “Olha, eu conheço alguns projetos executados em escolas de ensino público. Vocês nunca ouviram falar? Os alunos ouvem música clássica enquanto brincam. Acreditem! Mas isso é em São Paulo, e foi presenciado quando estive por lá”. O que as duas tem em comum entre si e com a maioria das pessoas entrevistadas, é justamente a idéia de que há, sim, uma diferente agregação de valor e, digamos, de respeito por parte dos dois modelos.

Esse tipo de música é mais facilmente entendida no ambiente acadêmico e exige, tanto de seus mestres quanto de seus aprendizes, um conhecimento satisfatório das partituras e de todos os seus meandros. “Alguns musicólogos adoram dizer que o termo "clássico" deva ser destinado somente à música erudita produzida no período que se estende de 1750 a 1809, a chamada “Era Clássica da Música”, corrobora Josué de Belisário. Para Rodrigo D’Lucca, professor de música, não há palavras para descrever a música clássica. “Ela é profunda, através dela você acalma o espírito e transcende tudo. Porém, infelizmente, o que vemos é um certo descaso perante esse gênero tão rico e bonito”, declara ele.

“Os meios de comunicação costumam dar espaço ao que dá lucro, ao que a massa gosta. É dado pouco espaço para a música erudita porque poucos conhecem a sua importância e seu berço”, retruca Joana, que entrou para esse universo através dos livros biográficos dos grandes nomes da música erudita do seu avô. Joana defende que o contato com esse tão rareado gênero faz-se pertinente na finalidade de elevar o conceito de mundo do ser humano em geral. “As pessoas preferem escutar "Rebelde", "Calypso" e "Psirico". Nada contra, sabe... mas é que,digamos, a música de boa qualidade tem sido de certa forma escanteada, perdida e deixada de lado. Também pelo fato de ser algo de alto custo, sabe... assistir a um concerto deve ser caríssimo!”, fala, entre risos e olhares irônicos, Leilane. “Tiro pelos shows de MPB... é claro que no nosso país a música popular, como o pagode, o samba, o arrocha, entre tantos outros, vai prevalecer, sabe... porque não é algo caro e dispendioso, e rende pra quem promove, entende? É claro que isso não impede a mídia de divulgar com mais eficiência a música erudita. Mas, eu pergunto, divulgar pra que público?... O problema é esse...”, finaliza.

De acorco com D’Lucca, tanto a cidade baiana quanto a pernambucana têm um grande potencial para esse tipo de música. “Os jovens principalmente, têm interesse, o problema é que eles não conhecem”, diz. Ele acredita que as rádios locais não apoiam a divulgação da boa música. “O bom gosto pela música vem de família, a educação musical tem de começar desde a barriga, quando a criança ainda é bebê... e as rádios só tocam besteirol, músicas sem qualidade. Aí ninguém vai mesmo gostar de música clássica”, argumenta.

Embora não pareça, o público jovem aprecia a música clássica na região. Rodrigo informa que comanda 520 alunos, e que todos passaram a gostar desse tipo de música quando conheceram e quiseram aprender a tocar instrumentos clássicos. José de Arimatéia Jr, funcionário da loja “Mundo do Som”, diz que os instrumentos utilizados para a execução de músicas “eruditas” como o violino, o violoncelo, o baixolão, instrumentos de sopro, a clarinete, o trompete, o baixo e o sax, são muito vendidos entre a clientela mais jovem. “A região tem alguns centros de ensino de música clássica como, por exemplo, a Academia Livre de Música, que funciona na rua Antônio Pedro, o grupo Nego D’Água no Kidé e o Villa-lobos. E tem também a professora Bebela que ensina piano. Mas ainda é pouco, muito pouco, quase imperceptível diante da grandeza dessas duas cidades!”, exclama o professor.

“Eu não acho que todo mundo seja obrigado a gostar de música clássica. Estamos falando de cultura, não é mesmo? Então, essa dita "importância" torna-se algo bastante relativo. Mas, falando sob o meu ponto de vista e de minha experiência, eu penso que é essencial que se produza “música de verdade”, boa para os nossos ouvidos já tão maculados por “lixos”, vocifera Leilane, que diz conhecer pessoas que tocam e convivem no universo desse estilo musical. Lilian acredita que as pessoas têm de ter conhecimento das manifestações de arte, tanto as locais quanto as globais, que são produzidas ao longo do tempo. Para ela é necessário saber que este tipo de música nasceu em um contexto que teve influências das idéias de um tempo e das pessoas de uma época. “É uma forma de conhecer melhor o passado e, ao mesmo tempo, acompanhar a mudança ocorrida dentro de um complexo social... nisso acrescentando gêneros menos difundidos e, também, os mais apreciados”, exemplifica.

“Com a vinda da Família Real para o Brasil, tivemos um bom incentivo às práticas musicais e José Maurício Garcia logrou destaque como o primeiro importante compositor brasileiro. Mas mesmo com todo esse avanço, ainda no século 19, discutir música erudita brasileira era motivo de piada. Aí veio Villa-Lobos pra nacionalizar a música no Brasil, introduzindo-a e consolidando-a”, pronuncia Belisário. O certo é que mesmo hoje, em pleno século 21, Juazeiro e Petrolina ainda são cidades que não perceberam o devido valor da música clássica ou erudita ou de concerto, muito talvez por causa de suas histórias ou de suas situações político-econômicas. Fato não muito esdrúxulo para uma população que não aprendeu a render aplausos e reverências nem aos seus conterrâneos e artistas locais, tampouco ao seu Samba de Véio, aos seus rabequeiros, aos seus maracatus, aos seus gênios anônimos. Então, fica a pergunta: o que esperar daqueles que cultuam o “refinamento”, hoje vistos como Quixotes lutando contra moinhos de vento?

Reportagem escrita em 2008, com parceria de Ecliz Rodrigues e Álvaro Luiz.

2 comentários:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"classic doom
by ~amorte"
Deviantart

Mell Renault disse...

Oi...
Há quanto tempo não paramos para conversar um pouco meu querido amigo???!!!
O que está acontecendo que não o encontro em lugar nenhum???Ando com certa saudade e tristeza...
Vê se aparece por aqui...dá um "alô", porque também se morrre de saudade, viu??
Um beijo!
Mell