sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Angústias polares


 Por Germano Xavier

Minha angústia de quinta foi a mesma de quarta, apenas amplificada. Continuei a refletir sobre a minha inumanidade e na humanidade dos homens – se é que tal virtude já existiu. Pensei se ainda há em mim um resto que seja de infância e não cheguei a nenhuma conclusão. Hoje, longe do quintal fantástico da casa onde cresci e vivi plenos a plenos pulmões até perto de meus quinze anos de idade, surgem certezas, num primeiro momento, desanimadoras. É quando eu me pergunto onde ficou aquele corredor interno onde eu chutava bolinhas feitas com papel amassado enrolado em meias velhas e furadas de um lado para o outro com o meu irmão; quando me pergunto onde guardei todos aqueles caminhos bem sinalizados das estradinhas que eu mesmo fazia com giz ou caco de telha quebrada para logo depois começar a carcomer a pele de meu joelho de tanta alegria e cheio de sonhos e fantasias em voltas de carrinho, procurador de coisas para inventar entre os ferros retorcidos e as geringonças quebradas no quarto das bagunças; quando me interrogo sobre os muros que tanto quis pular e pulei; quando tudo vem e o baque é tão grande que a gente precisa segurar firme no corrimão para não tombar pelos degraus da nova escada... pergunto-me se me fizeram o animal que hoje sou, ou se eu já era assim pré-determinado ou pós. É que a gente sempre corre contra o tempo, mas ele sempre nos espeta a pílula da metamorfose. E, no processo, que atravesso um período alguma coisa parecida com o que costumam chamar de transformação... Eu tenho medo porque li Kafka e sei das consequências de uma mutação não desejada. Porque uma coisa que quero nessa vida é não incomodar as outras pessoas, ou incomodar pouco. E quando aqui me recolho para mais uma reflexão, a cadeia da contradição se alastra em mim, porque eu gosto de ler, escrever, do silêncio, de não ir, de não falar, de observar, e de outras coisas que só sabem ser agentes perturbadores. Minha forma de ser e de agir na maioria das vezes não passa sem ser percebida. E pronto, turbilhão vivo! É o momento de exorcizar os demônios e tentar seguir em frente, porque obtive nítidas confirmações acerca de minha animalidade gentil. O certo é que hoje, depois de muito pensar e especular, minha vida passou sem ser percebida, ao menos para mim.

3 comentários:

controvento-desinventora disse...

Pensar tudo isso na escuridão da nossa própria rua, encostado no áspero muro da verdade sem cair no chão,pode nos encher de uma estranha serenidade, uma súbita luz, uma epifania que pergunta: _ O que fiz da minha vida até agora?
Afinal, a vida continua vivendo, oferecendo-nos a possibilidade de novos caminhos...

Anônimo disse...

Olá Germano, adorei conhecer seu trabalho, gostei imenso da forma como exorciza seus demônios. Seu blog é show de bola, Obrigada por me seguir, te seguindo tb!
dia azul pra vc !

Abç!

Urbano Gonçalo de Oliveira disse...

Inspiradíssimo este post meu amigo!
Se me permites, partilho também contigo idênticos momentos e brincadeiras de infância que obviamente são por demais saudosos.Kafka ... bom ... que dizer, não é? Pena é muito boa gente, o não saber "realmente" ler (ainda bem que não é o teu caso!).Mas realmente, esses tais agentes perturbadores que mencionas e eu também os fomento aos outros, são complicados de ter, porque os outros ... não os conseguem em verdade compreender.
Enfim, continuemos iguais a nós mesmos, penso que acima de tudo e ... apesar de tudo é aquilo que os outros querem connosco aprender.
Aquele abraço, fica bem!