sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Ao vencedor


 Por Germano Xavier

Ao vencedor, um tempo inteiro de noite com direito a um desmoronamento psicótico sem retorno. Ao vencedor, o postiço e inverídico adágio do velho amor que não machuca. Ao vencedor, a magistral essência daquilo que te engole inteiro como um bicho famélico, colérico e já sem esperança pelo bem. Ao vencedor, o espartano avanço da tropa que esfacela a alma já esparsa de sentimentos. Ao vencedor, toda uma logosfera austera imputada ao vermelho mais sanguíneo, mais sanguinário. Ao vencedor, todo um deslinde esmiuçado ao fervor de um esquartejamento de carnes fervoroso, úmido, que esculpe um novo homem em pedaços partidos. Ao vencedor, o cerceamento inextrincável no corpo todo de um redil guardando as ovelhas desgarradas de um só pastor. Ao vencedor, a intervenção das armas no peito aberto e marcado pelos mísseis sentidos. Ao vencedor, toda a labialidade do arauto que traz no pergaminho a mensagem das horas finais. Ao vencedor, o morango amargo que alegoriza qualquer desfecho sem final. Ao vencedor, as honrarias da desgraça da condição humana de se sentir fraco diante da solidão. Ao vencedor, o desatrelamento salutar de si para si mesmo como forma de beijar a totalidade vital. Ao vencedor, o bem e o mal. Ao vencedor, a agonia de ser. Ao vencedor, a nódoa na manga da pele que envelhece. Ao vencedor, a justiça dos anos dos naufrágios, das catástrofes interiores, das guerras sem veneno. Ao vencedor, a paulatina e angustiante despaz do corpo. Ao vencedor, as saudades do cheiro que você sugou como quem estivesse sem o ar da necessidade. Ao vencedor, o gatilho que apunhala, a foice que abocanha, a guilhotina que tece a lógica do caos. Ao vencedor, o choro sem vergonha. Ao vencedor, o escatológico ambiente de lamber o prato. Ao vencedor, um mundo inteiro de inverdades. Ao vencedor, a atitude de flanar sem rumo, o espelho do desgoverno, o afluir tempestuoso, o desbunde sem valor, a margem marginal. Ao vencedor, nenhuma cara, nenhuma vaga normalidade, nenhum agasalho contra a madrugada que mata de inércia e falta de história, nenhum, nenhuma. Ao vencedor, a certeza de que você não é nada, nada, nada, absolutamente nada. Ao vencedor, a dúvida de que você pode tudo, tudo, tudo, absolutamente tudo. Ao vencedor, a certeza do único jeito no ombro pintado de uma mulher. Ao vencedor, as batatas humanitistas da doída filosofia de sonhar, de sonhar, de apenas sonhar...

2 comentários:

Marcantonio disse...

Texto impressionante.

Abraço.

controvento-desinventora disse...

Não há perdedores, isso é impressionante...Perder-se pelas batatas, sonhos, sonatas...Sentir-se vencedor à beira da perdição é viver, sem medo de errar, isso é machadianamente acertar fora do alvo, mas ter a consciência que tentou...porque houve entrega.