sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Eu estive em Palmeiras

 Por Germano Xavier

Resolvi escrever sobre lugares importantes em minha trajetória de vida, mais precisamente sobre minha passagem nesses locais, que geralmente eram/são cidades, tentando investigar um pouco do que em mim ficou incrustado no que tange às absorções adquiridas por meio das mais diversas experiências de convívio e também de aproximação-afastamento pessoal-interpessoal após minhas chegadas, andanças e partidas nos/dos referidos territórios. E para começo de conversa, parto do meu objeto primeiro de análise: a cidade de Palmeiras, Chapada Diamantina, Bahia, Brasil.


Apesar de eu ter nascido em Iraquara, também Bahia e Chapada Diamantina, no meio do ano de 1984, fui ainda muito pequeno para Palmeiras, cidade que fica situada na Chapada Diamantina Meridional (Centro-Sul baiano) e que possui cerca de dez mil habitantes. Por necessidades de diversas ordens, meu pai montou lá um consultório odontológico e levou toda a família – mãe, meu irmão mais velho e eu, além de meu tio Jackson, no auge de seu adolescer, e tempos depois duas secretárias do lar para auxiliar nas necessidades caseiras. Meu pai trabalhava para a prefeitura da cidade e também atendia na cidade de Lençóis, juntamente com Dr. Freire, com quem ia em seu Dodge Polara num determinado dia da semana.

Dessa época, não me recordo de absolutamente nada, absolutamente nada mesmo, pois eu era realmente muito infante. Segundo pesquisas de institutos importantes, o ser humano só começa a guardar imagens memoriais a partir dos seis anos de idade, e eu ainda não tinha essa idade quando em Palmeiras residi por aproximadamente dois anos, portanto não posso mensurar muita coisa vivida naqueles idos... Desse tempo, só guardo algumas poucas fotos que venceram a barreira das horas que teimam em amarelar os papéis e que porventura ainda sobrevivem em minhas gavetas imiscuídas a outras fotografias mais recentes. Todavia, diz meu pai que a atmosfera de Palmeiras, em meados dos anos 80 do século XX, era a de uma típica cidade pacata do interior, com picos de frio em determinadas épocas do ano, climinha agradável marcante da região chapadense, não muito diferente do que ainda se apresenta nos dias atuais.

Via-se enormes dragas “lavadoras” de areia dos fundos das águas espalhadas pelas margens de diversos rios do local, propriedades de algumas empresas especializadas em mineração-garimpagem ou de gente influente nesse meio, da mesma forma que se ouvia falar, vez ou outra, de que fulano ou sicrano houvera arrematado uma pepita de diamante por aquelas bandas e sumido sem deixar vestígios e nenhuma explicação... O “grande comércio”, se é que assim podemos chamar, ficava nas mãos de poucas famílias, a citar os Rocha, e a outra parcela ficava restrita a produtores rurais de pequeno porte que traziam suas mercadorias para serem comercializadas nas feiras-livres. Geralmente eram produtos de setores ligados à agropecuária ou de ordem artesanal, animais provenientes de criações próprias e alimentos facilmente encontrados na região. O setor de serviços também era importante para fazer girar a terra dos palmeirenses.

Como todo bom integrante da região que ficou conhecida como das Lavras Diamantinas, Palmeiras foi, em tempos de antanho, um importante arraial que tinha como fonte de riqueza a exploração do diamante, que cresceu e se refinou, mas que com a escassez das preciosas pedras, logo entrou em decadência, apesar de ter sido lento este processo em seus domínios. O Capão, hoje ponto turístico de grande importância para a localidade, devido ao grande fluxo de estrangeiros e brasileiros peregrinos que todos os anos desembarcam por lá, não passava de uma vila ainda pouco explorada e pouco conhecida, até mesmo pelos próprios nativos. As pessoas tinham de se deslocar em automóveis de passageiros para chegar tanto ao Capão quanto aos outros lugarejos pertencentes ao território de Palmeiras, e o modelo de carro mais utilizado para a realização de tal trabalho naquela época era o Ford Rural – até hoje encontramos pelas ruas palmeirenses alguns exemplares deste exótico veículo -, tarefa de desempenho realmente muito difícil.

Minhas primeiras lembranças “vivas” de Palmeiras já datam de tempos mais próximos, quando frequentemente íamos para suas paragens fazer compras em alguns supermercados da cidade, que ofereciam preços mais convidativos ou, também, para simplesmente almoçar, como que num passeio de fim de semana frequentemente praticado pelas gentes da Chapada, que aproveitam a enorme oferta de rios e balneários para desfrutar os seus respectivos recessos. Era marcante o desenrolar da mecânica da feira-livre, a presença de muitos jumentos que carregavam as mercadorias de seus donos para o centro popular de comércio, aquilo tudo me reclamava muita atenção. Assim como suas ruas estreitas, a arquitetura de algumas casas, o cheiro de história que seus habitantes exalavam.

Depois, já na adolescência, recordo-me de ter ido prestigiar por duas ou três vezes o Carnaval de Palmeiras, festa das mais tradicionais do interior baiano. Era todo mundo atravessando o pequeno trajeto, que ia de uma praça a outra, embalados por pequenos “trios elétricos”, para só depois desembocar na praça onde o palco principal estava instalado e onde os principais shows musicais se dariam. Talvez andando no meio daquela muvuca intensa foi que presenciei pela primeira vez o uso de certos entorpecentes pelos foliões. “Loló”, lança-perfume, cigarros de maconha eram facilmente vistos sendo consumidos por alguns jovens. Como meu espírito nunca foi o de cair na algazarra, ia mesmo para compor com meus olhos as sensações de toda aquela atmosfera, no silêncio que guarda. Meu jeito de “brincar” aquela festa era a do observador que deposita em si a lembrança dos mínimos detalhes.

Meu tio, o mesmo que morou lá conosco, até hoje brinca quando passa de frente à entrada de Palmeiras, dizendo: “Visite Palmeiras, antes que acabe...” Nada muito grosseiro nem tão despretensioso assim, talvez reflexo do que ele viu com seus próprios olhos ao longo dos anos que lá passou. Hoje revisito Palmeiras vez ou outra – em 2011 fui lá duas vezes – e aproveito para visualizar antigas reminiscências que trago comigo em meus dentros, que começam a partir do momento que me atiro ao declive bastante sinuoso da serrinha cortada pela estrada que dá para seus braços misteriosos sempre abertos aos que lá resolvem aportar...

3 comentários:

controvento-desinventora disse...

Fiquei com vontade de conhecer Palmeiras.Acho que tá rolando um turismo literário...

Anônimo disse...

NOSSA! ESSE LUGAR DEVE SER LINDO!a BAHIA É MESMO MÁGICA!

SEGUINDO EU BLOG!

FELIZ NATAL!
FELIZ 2012!
ABRAÇO!

Dani Gama disse...

Gosto de Palmeiras, tambem. Conheci a cidade quando tinha 14 anos e foi uma experiência diferente de tudo que já vivi até hoje. Tinha uma amiga, Raimunda Queiroz, que morava em Iraquara, era professora, e era de Palmeiras. Vez ou outra ele pedia minha mãe para me deixar ir com ela lá, passar um final de semana. E as vezes ela deixava. Na primeira ía a Palmeiras, com minha amiga "nativa", chegando a cidade, fomos dar uma caminhada e paramos no jardim da praça principal. Alí sentamos. De repente passou o pai da minha amiga e falou: "Olha, mas não é a filha de fulano?". E Ray respondeu: "Ué, Painho! a filha de fulano morreu há um mês, não lembra?" - "Ah, é mesmo!" e seguiu. Eu achei estranho aquilo mas fiquei quieta. Pouco depois passa o pai da tal menina que havia morrido de carro e quando me viu praticamente parou....desacelerou e deu mais tres voltas na praça para me olhar. Aquilo começou a me intrigar. Dai minha amiga falou que eu realmente era muito parecida a menina e daí me contou a história da morte dela, causado por Leucemia, poucas semanas antes daquele dia, aos 18 anos. Aquilo começou a me deixar meio sem graça. E dalí fomos caminhar mais pela cidade e onde eu passava as pessoas me olhavam, parados. Eu achei que era coisa normal de cidade do interior quando veem alguem "estranho" de outra cidade. Mas não era isso! Começou a aparecer parentes da menina para falar comigo e aí eu já nem sabia o que dizer. A mãe da moça logo ficou sabendo de mim e, segundo me diziam, ela ainda mantinha um luto forte movido a choro a clausura. Depois daquele final de semana passei a ir mais vezes a Palmeiras. Cerca de dois meses depois era aniversário meu e minha amiga insistiu muito para que eu fosse passar a data lá. Minha mãe consentiu. Como havia feito amizades por lá resolvi ir. Chegando lá as pessoas já me viam com os olhos de quem via aquela moça. A meia noite do sábado (domingo era o dia do meu aniversário), estávamos numa festa e minha amiga me chamou para ir a casa dela pegar não sei o que. Chegando lá havia um grupo de pessoas que já mantinham um carinho por mim, inclusive os dois irmãos da moça. E um jantar de aniversário a mesa, com parabéns, abraços e muita emoção pela surpresa. Aquela festa havia sido preparada pela mãe da moça, para mim. Foi alí que desabei no choro. Não de tristeza nem nada parecido, mas como eu queria poder trazer aquela garota de volta para aliviar a dor daquela mãe. No domingo fui visitá-la e nunca vi, até hoje, alguem com um choro tão sofrido ao me abraçar. Foram horas de conversa, de choro, de ombro. E eu saí de Palmeiras para não voltar mais, porque eu nunca ía poder ser aquela menina que tinha partido num voo sem volta. E minha presença nunca poderia ser de conforto para aquela mãe. Saí de Palmeiras para não voltar mais... e agora choro relembrando toda essa história, de mais de 15 anos atrás me perguntando como estará aquela mãe... agora sendo mãe, consigo entender melhor tudo aquilo.