Por Germano Xavier
“Uma parte da minha vida eu vivo, outra parte me contam.”
(Ferreira Gullar)
“Uma parte da minha vida eu vivo, outra parte me contam.”
(Ferreira Gullar)
Para amanhã, guardo expectativas. Porque o hoje já se foi e o que tenho de certeza são meus dois dias a mais que meus vinte e quatro anos de idade. Não sou novo, não nasci ontem. Tenho vinte e quatro anos de idade e mais dois dias. Se eu quiser, posso já me considerar um velho. Ter vinte e quatro anos de idade e mais dois dias é já ser velho, pelo menos para mim, é já ter uma longa vida vivida. Mas isso só se eu quiser. Por enquanto, não quero. Melhor deixar como está. Não vai mudar muita coisa se eu já me der o título de idoso. Não conseguirei nem uma cadeira prioritária num destes ônibus da coletividade. Se para idosos-idosos a coisa já está feia, imagine para mim, um pseudo-decrépito-autointitulado-sem-cabeça-alva. Sigo, dessa forma, minha odisséia. Não existe vida mais bonita que a minha. Leia-se “bonita” como “propícia às histórias livrescas e fenomenais, baseadas em eventos catastróficos-ínfimos de natureza casual-ou-não”. E se você disser que não existe vida mais “bonita” que a sua, eu vou acreditar e aceitar, porque a vida de cada um é a vida mais “bonita” que existe. E a minha é a vida mais “bonita” que existe, e você deve aceitar sem titubeações. E um dia eu ainda descubro o porquê dos escritores quase sempre estarem certos... pela manhã, agi como um ser deletério. Fui nocivo ao meu passado. Destruí coisas que achei banais e preservei outras. Eu concordo quando dizem que “a memória é o esquecimento”. Concordo e não concordo, convenhamos. Mas até o concordar é passageiro no bonde que passa. E para que se preocupar, não é mesmo? Temos tanta coisa e coisa pouca para selecionar. O bom sempre anda mais escondido. Hoje, aniversário da cidade baiana onde estudo, feriado, aproveitei para manter a leitura em dia. Pensei estar doente de verdade, acreditando que eu vivia. Li jornais e revistas. Tudo sem ordem. Quase sempre leio assim. Estou lendo uma coletânea de crônicas do Ferreira Gullar. Mas fui à biblioteca do centro pregar um cartaz do Cineencontro e aproveitei para pegar dois livros: “Lavoura Arcaica”, do Raduan Nassar, para reler, e “Os dragões não conhecem o paraíso”, do Caio Fernando Abreu, para terminar a leitura que tinha iniciado antes do início do recesso. São dois autores que me inspiram bons momentos. Mas eu me sentia doente, pensando que eu estava vivo e que a vida valia a pena. Foi quando deparei com a palavra do Antônio Abujamra, no caderno Illustrada do jornal Folha de São Paulo, dando o seu choque de realidade para um grupo de atores comandado por ele numa recente apresentação teatral: “Tem uma loucura muito grande na cabeça deles de achar que a vida não é mesmo uma causa perdida. Tiveram de aprender que é, sim. Felicidade é uma idéia velha. Ser feliz, só no palco; na vida, não dá. A vida é uma causa trágica”. Aí eu parei, olhei as horas no relógio e disse “meu dia termina aqui”. São vinte e uma horas mais cinquenta e quatro minutos. Preciso de minha sanidade novamente. E vou buscar. Amanhã é um dia com mais de vinte e seis horas para viver a minha vida “bonita”. Todavia, por ora, fecho a conta do meu dia de número oito mil e setecentos e sessenta e oito, já contando com os anos bissextos e tudo...
2008
2 comentários:
Bravissimo!
Concordo com você. A vida da gente é sempre a melhor, a mais bonita, a melhor. Mas, veja bem, isso é para quem não se lamenta dela. O pessimista sempre acha que a vida dele é a pior. Achar sua própria vida a mais bonita é algo dos que tem coração nobre, alma nobre. Nobreza no sentido rico da coisa. Não o rico material, mas rico de coisa rara, especial.
Beijo grande.
Que delícia de texto! Um mergulho sincrônico,promovendo uma epifania aguda...Adorei!
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