Por Germano Xavier
O perfil jornalístico parece um recurso fácil para um escritor que resolve fundar um reino dentro de uma realidade objetiva ou, ainda, “mitificar” uma personagem. Coragem é o que não falta a Emanuel Andrade, salgueirense radicado em Petrolina, que após inúmeros encontros com a louceira Ana Leopoldina dos Santos, a Ana das Carrancas, resolve documentar a trajetória de vida e criação de uma das mais ilustres artesãs do nordeste brasileiro. O livro A Dama do Barro é um retrato, dentre vários possíveis, de uma sertaneja que, mesmo atravessando os difíceis obstáculos de uma existência sem regalias, soube gerar um novo mundo a partir das suas necessidades. O que não é desencontro num lugar onde o tempo nega-se à linearidade, ao menos o da perfilada - as informações da evolução da narrativa recuam, antecipam-se -, perde-se no que parece essencial, justamente para que o leitor possa, ele mesmo, andar por um universo artístico produzido por uma mente iluminada. Nas condições em que transcorre seu percurso de fugas, sempre no anseio de uma situação mais digna para se viver, Ana escancara momentos que marcariam profundamente o seu destino, como as viagens que fizera às cidades de Picos e Petrolina, o casamento com o deficiente visual José Vicente de Barros, o encontro “fantástico” com o rio São Francisco e a realização de seu maior sonho: a construção do Centro de Arte e Cultura Ana das Carrancas. A multiplicidade de olhares e significados atribuídos às misteriosas carrancas faz o próprio autor, na apresentação, procurar o que traria unidade ao livro, “uma história que tocará aqueles que têm sensibilidade para com a beleza que ainda existe no centro, ou no fundo do coração, do ser humano; o qual enxerga, com olhos bem acesos, a arte como outro ponto de partida para tudo que é belo no horizonte da vida”. Toda a carreira desta “sertanartista” nascida no Sertão do Araripe, suas perdas e suas glórias, sua devoção ao barro (matéria-prima de suas iluminações) é, sem dúvida, o leitmotiv para o livro que pretende relatar boa parcela do universo intempestivo de uma mulher que veio ao mundo disposta a ser, literalmente, maior do que a vida.
Texto publicado no Jornal Laboratório Cobaias (Publicação UNEB/DCHIII/2007)
2 comentários:
Crédito da imagem:
"barro
by ~Loreleysakura"
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Caro Germano, sempre bons artigos, material bom para a mente, os olhos e as antenas. Abraço e bom fim de ano!!
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