sábado, 8 de janeiro de 2011

Amor de aprendiz


Por Germano Xavier

Tem criança que é uma danadura que dá gosto – ou desgosto -, não? Pintam o sete, como a vovó dizia, onde quer que estejam. Bom assim, diriam alguns, pois demonstram usufruir de uma vida absolutamente saudável. Algumas, conquanto, mereciam apelidos bem pertinentes aos seus comportamentos em “condições normais de temperatura e pressão”, algo do tipo “Espoleta”, “Foguinho” ou “Brasinha”, de tão espevitados e “quentes” que são. Além de pai, mãe e de toda a parentada, professor sabe muito bem do que agora vou contando. Depois que são “entregues” em suas respectivas escolas nos períodos de aula, é o professor que, querendo ou não, passa o maior tempo ao lado da meninada, ainda mais em se tratando das classes com idades mais inferiores.

Partindo do meu ponto de vista, ensino desde os meus dezoito anos de idade e durante estes oito anos dentro da sala de aula – com essas informações já podem calcular a minha idade hoje -, mesmo não estando em contato direto com a garotada infantil em algumas dessas temporadas, posto que é de minha predileção as turmas mais elevadas, pude perceber, com muita admiração e instinto analítico, as divergências pelas quais a relação docente-discente enfrenta ao longo dos anos letivos, o que decerto não é nenhuma novidade para ninguém.

Todo mestre assina um pacto de amor ou ódio com o seu alunado assim que entra na sala de aula pela primeira vez, seja ele quem for, em que estado de maturação intelectual estiver ou o grau de conhecimento abarcar. Não custa muito averiguar, já de supetão, quem foi ou não com a sua cara – ou com a sua lábia, há de se convir. Geralmente os meninos e as meninas das cadeiras da frente te olham com olhos de “Isso mesmo, professor, vá em frente! Estamos contigo! Confiamos no senhor!”, o pessoal dos lados, encostados em suas respectivas paredes e com as pernas quase ou totalmente estiradas, meio que esboçam, sem-querer-querendo, um olhar de esguelha, como que dizendo do fundo de seus eus “Hum, sei não, esse aí parece ser muito chato!”; a turminha dos fundos, geralmente, nem dá muito liga, vai levando sem muito pestanejar, e quase sem nenhum estresse, curtindo tudo em seu devido movimento.

O ano vai passando, as aulas sendo ministradas, as provas sendo aplicadas, os trabalhos executados, passeios idos e vindos, recuperações diagnosticadas, intrigas e burburinhos assinalados, e você acaba se tornando mais amigo de alguns e “inimigo” de outros. É sempre assim – as exceções são raras. Por mais que você seja um professor calmo, respeitador, ou mesmo o tipo brincalhão, que saiba conduzir de forma satisfatória o andamento do currículo previsto pela escola, essa dicotomia sempre irá existir. O que é bom, penso, até para servir de matéria-prima para uma auto-avaliação no final dos períodos de ensino. Desses pólos inversos eu, sempre que posso, tento adquirir mais sapiência para lidar com outros meninos e meninas nos anos vindouros ou em outras experiências.

Felizmente, no meu caso, a quantidade de “amigos” supera, e muito, a de “inimigos” conquistados nos corredores escolares por onde passei. Nesse quesito, os meninos são mais recatados, demonstram gostar de você com gestos e expressões mais sutis, menos ornadas, com aquela meia palavra que para o bom entendedor basta. Já as meninas, não. São sempre mais espontâneas, vivazes, preparam altas declarações de amor ao professor, te abraçam no início, no meio e no fim das aulas, escrevem bilhetinhos decorados com florzinhas e corações escritos com canetas de várias cores, chamam você para mostrar os seus pais, quando estes estão por perto, e assim vai...

Confesso, dá um ânimo danado você chegar à escola e ser recebido com um abraço carinhoso de uma aluna sua, um beijo na face, um dizer de pureza que só nessa idade podemos possuir. Nessas minhas relembrações, nessas minhas reminiscências incuráveis, vem em mente a Isadora, aluna minha do 5º ano na Escola Ana Nery, situada na cidade pernambucana de Petrolina. Era só eu apontar a minha moto na rua da instituição que ela partia em disparada para me abraçar e me beijar e me encher de coisas fascinantes que toda a minha sensibilidade podia captar. Isadorinha era meu remédio para todos os meus cansaços de quem fazia duas faculdades, fadigas de tantas provas para corrigir, desânimos de estagiário, desestímulos de razões as mais diversas... quanta saudade que tenho de você, minha aluninha adorável!

E quantos outros e outras também existiram! Aqueles que deixavam recadinhos no painel da minha moto para quando eu fosse sair e poder lê-los. Aquela turminha mágica de 6º Ano que caiu em prantos, um a um, e que fez coro de “Germano, nós te amamos!” na porta da escola quando eu disse que ia precisar deixar a turma por falta de tempo e por causa de minhas monografias. Aqueles que fizeram festas de aniversário para mim, com tudo que tinha direito, aqueles que não deixavam eu sair da sala de aula quando o sino insistia em tocar, aqueles que me chamavam de pai, que gostavam de me ver e de me escutar, que me emprestavam um pouco de suas vidinhas curtas e radiantes, aqueles que mandavam imprimir até em pedras a sua “paixão” pelo professor que era eu, que viajavam léguas e léguas juntos comigo na hora das explicações.

Meninos e meninas, carentes ou não, estudantes de escolas públicas e particulares, que guardei ou esqueci os nomes, que jamais esquecerei seus rostinhos alegres, pondo seus coraçõezinhos em festa, sempre sinceros, alimentando esta profissão que decidi, com orgulho, seguir. Que seria de nós sem vocês, espoletinhas-amáveis? Que faríamos sem vós, foguinhos-insubstituíveis? Quem nos queimaria de vontade de perseverar senão vocês, brasinhas-únicos? Nada, creio. Absolutamente nada. O amor tem dessas facetas, amor-perene, com gosto de saudade, com vontade de ver a criança crescer bonita e vencedora, com armas brancas e capazes na luta pela vida. O professor tem desses encantos, nasce para nunca morrer, porque fica, mesmo sem saber...

5 comentários:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"Professor Layton Plushies
by ~Rentorah"
Deviantart

Anônimo disse...

Quanta emoção nesse texto, meu caro professor. Lembranças e saudades, mas acima de tudo, seu amor pela profissão. E uma profissão tão sofrida, mal remunerada, mal reconhecida, mal amparada, mal cuidada pelos poderes públicos. Tenho muitos amigos professores e os vejo batalhando, sacrificando suas famílias, seus sonhos e projetos por causa desse estado de coisas. Sabemos hoje quanto vale a educação de qualidade. É justamente dela que dependemos para termos um povo cidadão, consciente de seus direitos e que entenda seus deveres. E como podemos ter uma educação de qualidade sem professores incentivados, bem remunerados, bem preparados e com possibilidades de dar vida a seus projetos? Temos uma companheira blogueira que foi para o Japão para ser reconhecida e ter seu projeto aplicado na educação pública, onde está obtendo grande sucesso.
Pois é, Germano, maravilhoso perceber seu amor por sua profissão e espero que este ano de 2011 seja promissor nesse sentido e nesse campo.
Beijokas e meu carinho.

Marinha disse...

Germano, sei o que sentes. Já estive com pestinhas e hj alfabetizo quem é pestinha faz tempo (idosos). Bom demais receber esse carinho inocente! Deves merecer, querido!
Bjo de travessuras.

Unknown disse...

Passei gostei e fiquei (gostei tanto daqui) rs
Te seguindo !
Bjs Meus!

marcenga disse...

são os espoletinhas nosso verdadeiro estímulo pra continuar em sala de aula mesmo, e é essa a suprema relação escolar, a troca entre professor e aluno (não precisamente nessa ordem); o resto é burocracia que tem muito atrapalhado.
muito bom ler seu texto e saber q como eu alguém sente essa pulsação em sala de aula, e não é masoquista...

um beijão!^^