Por Germano Xavier
Descartando o caso raro de Truman Capote, escritor e jornalista norte-americano autor do memorável A Sangue Frio, que dizia ser capaz de relembrar mais de 90% do conteúdo das entrevistas e conversas sem utilização de nenhum artifício senão a memória, conjugar perfeitamente o verbo rememorar não é tarefa fácil para ninguém, até mesmo para quem já está acostumado a lidar com a tradução de cenas e casos do cotidiano para a teledramaturgia brasileira e mundial. No melhor sentido defendido por Inmanuel Wallerstein, Manoel Carlos fez jus à máxima do sociólogo estadunidense "rememorar é um ato social do presente". Publicado em 2006, o livro chegou até minhas mãos através de meu professor-orientador no curso de jornalismo. Como meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) versou sobre a capacidade que o gênero cronístico tem de, aliando ficção e realidade, demarcar um período espaço-temporal de uma dada localidade ou região/povo, imaginei fazer dele apenas mais um objeto de análise e estudo, sem saber que acabaria se tornando uma leitura de agradável passagem e esclarecimento. Ao todo são 53 crônicas, divididas em 5 partes inomeadas, originalmente escritas quinzenalmente para a revista Veja Rio. De linguagem simples, quase nunca usando de termos desnecessários, Maneco - como é conhecido - traça um enorme perfil carioca, centrado principalmente nos acontecimentos dos arredores do bairro do Leblon, onde reside e viveu boa parte de sua vida. A impressão que fica após a leitura é a de que a alma do carioca fora desnudada, separada de qualquer impedimento que prejudique os atos da confissão e revelação. Através de observações feitas em conversas dominicais com amigos na praia, durante a caminhada matinal, em viagens ou no espaço da livraria Argumento, onde é exímio frequentador, o autor investiga, e com saber de causa, acerca (e principalmente) do comportamento feminino - aliás, talvez a temática mais trabalhada nos projetos que realizou -, dos rumos das paixões arrebatadoras e suas ramificações, os conflitos matrimoniais, os desentendimentos, as dúvidas diante do florescer de um amor, além de colorir com tintas de incerteza o mundo dos jovens e seus costumes. Ora se preocupando com o rumo do historiado ora rindo dos casos por ele mesmo contados, as reminiscências temporais povoam de forma bonita a obra, cujo conteúdo é quase sempre penetrado por um ou outro trecho de algum poema - o que faz da leitura ainda mais gratificante para os amantes da forma poética, como eu. 233 páginas de crônicas que formam um crônica-una. Por outro lado, alguns leitores poderão dizer: "são crônicas de um burguês para um burguês ler", e também não estarão de todo equivocados. Todavia, talvez isso não venha a calhar nesta hora. O livro só fez aumentar a minha curiosidade perante este gênero tão absurdamente brasileiro, traiçoeiro e dual que é a crônica. Outrora cosido por mãos geniais, como as de Rubem Braga e Antônio Maria, o escritor de 78 anos não faz feio em seus domínios. Manoel Carlos é o autor das novelas "Mulheres Apaixonadas" e "Páginas da vida", sobre as quais minha mãe certamente teceria melhores comentários do que eu, além das minisséries "Presença de Anita" e "Maysa, quando fala o coração", entre outras. Uma boa pedida é A arte de reviver. Leia!
2 comentários:
Crédito da imagem:
"Day 172
by *TakeMeToAnotherPlace"
Deviantart
A tua resenha faz surgir em nós o desejo de ler o livro. Abçs.
Postar um comentário