Por Germano Xavier
Ela deixou cair dois cigarros da pequena tiracolo cor de calabresa mal passada. Eram seus últimos dois cigarros. A mínima certeza da saciedade em dois mínimos tragos. Era já o terceiro maço e o sol forte ainda titubeava no horizonte. Há muito o astro-rei houvera demanhado. Tinha acabado de sair da farmácia. Remédios. Fumante inveterada. Dois tarjas pretas. Tinha ido ao Dr. Temístocles no dia passado, aquele dos cabelos tingidos. Remédios estavam custando os olhos da cara ultimamente. Olhos esbugalhados, é claro.
Odiava ter de fazer contas. Foi para isso que se casou. Seu marido dava aulas de matemática em um colégio no centro da cidade. Nunca se interessou por cálculos, trigonometria, juros, porcentagem, geometria espacial. Um tédio tudo o que tinha ou usava cálculos.
Errou nos cálculos do seu prazer. Um dia a gente sempre erra, por mais pensar que não. Costumava fumar três maços de cigarro por dia. Aquilo significava que era possível fumar dois "tabaquinhos" e meio por hora e, mesmo assim, terminar o dia completamente saciada. O cálculo desprezava as horas em que ela passava dormindo. Mas não tinha feito isso. Tragou mais do que podia. E agora? Nesses casos, o que fazer quando sobram horas e faltam cigarros? Certamente, uma questão difícil de ser respondida. O que fazer quando o ópio da vida lhe escapa? Qual a saída?
Quando reparou que aqueles dois tubinhos brancos e nicotinados lhe eram os derradeiros, a mulher, que aparentava uma sofreguidão de décadas, sorriu um sorriso cor de quiabo. Levou as mãos à cabeça num gesto quase instantâneo. "Ai, meus pulmões desgraçados!", disse baixinho consigo mesma.
O sol agora é que resolvia descansar. A branda lua, prenúncio de escuridão. A cidade acendia seus fachos luminosos e artificiais. A noite se agigantava e ela não iria suportar toda aquela angústia e todo aquele vazio interior. Nenhum marido nem televisão, nem banho aromático, tampouco algum sonífero... nada seria capaz de substituir aquele seu vício antigo. Nem uma trepada louca perto da sacada do apartamento.
Noite total.
Noticiário local: sinônimo de um trago. Aquele, o último. Seu marido não fumava e ela não costumava deixar reservas. Sem estoque, o que fazer com essa vida virada?
A última tênue cortina de fumaça baforada, olhos tristes e desorientados. Onde estará daqui a alguns instantes?
Quinze minutos se passaram e nenhum cigarro a ser devorado. Nada, absolutamente nada nas mãos. Agora trinta. Começo do suplício. Trinta e cinco. Aguentará? Trinta e nove: o estopim, o divisor de águas. Ela está desgovernada, como um carro que despenca de um precipício. Suas mãos cegas procuram no vento negro da cegueira o combustível do seu caminho. Quarenta, palavras duras com o marido sonolento. Quarenta e um, a casa parece querer cair. Quarenta e dois, nenhum arrependimento pela matemática impraticada. Quarenta e três, pequenas facas de churrasco brilham seus aços de mortalha. Jugular seca. Não suportará!? Perderá a partida!? Quarenta e quatro minutos, o ar é curto, o tempo não pára. Quarenta e cinco, "Deus é mais!". Quarenta e seis, estiletes voam sobre sua cabeça baixa. Quarenta e sete, ela vai explodir.
Quarenta e nove, quase cinquenta, ouve-se um latido. É o Tato, seu cãozinho de estimação. Ele veio lamber suas pernas.
2 comentários:
Crédito da imagem:
"Frustracao em dois ensaios by ~Cauto"
Deviantart
Saudade desse blog bjo.
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