quinta-feira, 31 de março de 2011

O cara da Ribeira


Por Germano Xavier

Para Paulo Melo, colega de jornalismo.



Acordei com um negro ao meu lado.

Achei um tanto que confusa essa mistura de cores, pois sou um moço de pele clara. Nada de preconceito, claro. Todavia, a alvura de minha epiderme tornava-se translúcida ao equiparar-me com o negrume da ocasião. Confesso ter imaginado que tivera eu adormecido em um bocado da costa oeste do continente africano. Mas, onde estava o meu passaporte?

Quem era aquele que, pintado de preto, tornava mais branco o regolito por onde eu caminhava? Da minha cama solitária, ouvi o batimento do seu coração. Um coração grande, feito da relva dos seus antepassados. Um coração do tamanho das pirâmides egípcias.

Seria ele algum faraó? Algum mouro invasor lhe encamisava o punho? Algum pós-moderno afrodescendente debilitado por cólera mundana? Não sei se... Definir é tiranizar a arte da imaginação, dizia algum palávroco humano. Não sei se poderia defini-lo, porém, caso fosse assim me ocorrido, contemplaria-o com o título de guerreiro. O mais guerreiro dos guerreiros Tuaregs, posto que viajante orientado e desbravador dos mais castigáveis "desertos sertanejos".

O contágio meu com todo o peso e valor identitário que levava em seus traços e feitios, conduziria-me a uma profunda reflexão psicoautodescobertacondutiva sobre o que conteria, "delevemente" atinando, os inúmeros grãos de feijão que o esfomeado rapaz ingeria por dia. Um grão, um torrão. Dois grãos, dois torrões. Poucos sabem do que eu estou falando, ou melhor, apenas um cômodo e um objeto conhecem, tão "olfatalmente" dizendo, das proezas de suas entranhas. De que cor era mesmo a latrina?

E essa história das passagens? Para que tanta preocupação se a "Flórida" fica tão perto! Tão perto dos nossos ouvidos. Até um barulhento e ineficaz ventilador seria capaz de levantá-lo do chão, diante de toda a sua leveza de espírito. Da Ribeira para o mundo, ou seria para o "The New York Times"? Pise o chão de tuas ladeiras, Negro Gato! Castro Alves o cantaria melhor que minha pessoa. Por isso fico aqui, a dizer-te algo profícuo: Negro Gato, viva a vida "deleve" ! Mas não deixe que ela te leve...

Um comentário:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"negro by ~allholic"
Deviantart