Por Germano Xavier e Inês Guimarães
Zatopek abriu a porta e emudeceu. O sonho era mesmo um assombro. Depois de brincar no brinquedo, a gangorra da vida lhe ocasionou tonturas torturantes. Zatopek fechou a porta e abriu os olhos.
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Despertou sobressaltado. Novamente sentia a grande sombra negra apoderar-se do ambiente. Sorrateiro, levantou-se sobrevoando o piso gélido, tentando afastar de si o medo que o impedia de continuar.
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Olhos abertos e a casa fechada e o mundo armazenado num pote de fel. Zatopek decidiu suavizar seus temores. Alugou uma bicicleta na praça central e pedalou com ira. E ia Zatopek sobre as pregas do dia.
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Aproximou-se da janela. Por trás das grades frias, um céu descobrido derramava-se em estrelas perdidas que caíam solitárias, sem destino. Clamou por luz. Tentou desvendar entre a escuridão o constante sussurrar da noite.
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Rodou a roda da vida. Pelo menos quis. Girou girando o aro, arando manso o percurso do sol. Foi ver se no fim do arco-íris há mesmo um tesouro. Correu, desceu, subiu ladeira. Sem eira nem beira, Zatopek seguia. Antes, olhou-se. Enxergou-se. Deitou-se, e a aquarela sincera era tela. Tela esmera.
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Quis não estar ali. E não querendo, sonhou. Insistia em dizer que não nascera na pessoa certa. Queria ser outro. E não sendo, chorou. As sombras seguiam a persegui-lo e quedavam seus horrores sobre o querer sem fim.
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Zatopek pintou o sete, e o oito também. Zatopek escorregou no limo de suas lágrimas, no verdume do seu lume obstruído. E quis viver porque morrer não era importante. E dobrou a curva da miséria interna, virou vaga-lume, e mesmo no breu noturno, foi luz e estrela, facho e clarão. Zatopek sorriu pela primeira vez. Zatopek sorriu e sentiu que aquilo era importante.
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Fechou os olhos e deixou-se cair em seu desespero. Abraçado ao escuro, sentiu o afago das mãos cálidas das trevas. Inquietava-se com o barulho do relógio. Tique-taque incessante, tique-taque nervoso que acelerava o tempo.
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Foi quando apareceu o desaparecido. Zatopek viu nascer de suas mãos a promessa da colheita, da boca a água que eterniza, dos olhos o melhor ponto de vista. Depois de tudo, foi só deitar rede sobre o mundo e continuar a remexer...
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Ouviu passos. Caminhou apressado no recinto sombrio. Abriu os olhos. Viu o medo rondando seu corpo inerte. Medo cinza, de mãos dadas com a escuridão. Desistiu de fugir e aliou-se a ele.
Escrito em parceria com Inês Guimarães, colega de Jornalismo.
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