Por Germano Xavier
Quer fazer o que quer! Não faz! Desde que arrumou aquele emprego no ramo da publicidade, deu para alisar almofada de espinho. Tornou-se mais um daqueles joguetes nas mãos de patrões pançudos. Fez de tudo nessa vida. Informal, judoca, comerciante de guarda-chuvas, servente de pedreiro, pichador de viadutos... Sempre quer ser tudo, sempre. Nunca foi nada. Um imprestável. Exalta-se sempre?! A mãe gritava da cozinha pelo nome. Ele, rompando, responde prontamente. Maneja gestos rudes de queixo, rabisca no quarto palavras beneficiadas, engole o ácido da crua vida. F. A. quer ser mártir de não sei o quê, mas quer. Pensa em viajar na boléia, equipando-se de paisagens sem final.
A mãe saiu e foi comprar vassoura e rodo.
F. A. quer ser mártir.
Quinta-Feira, F. A. saltou do ônibus corrido de um assalto. Não com ele, mas com o amigo. Entrou em desespero. Enxotou o rapazote o meliante. Pensou em intromissão. Não gostava de intromissões, entrar na vida assim do outro, desse modo, sem marcar horário. Pensou na mãe raivosa e na sua imprestabilidade de dias. Não satisfeito com sua desgraça mascarada por um terno azul e uma gravata vermelha, desceu a ladeira do bairro correndo. Veloz, aturdido e em outra dimensão, F. A. tropeçou e caiu. O rosto beijou o concreto duro e a quina da calçada. Saldo: dois dentes superiores e um inferior sem. Todos frontais. Juntou o sangue na boca. Cuspiu. Quis ir para casa. Andou. No caminho, lembrou da mãe neurótica e foi engolindo um tanto e cuspindo o outro tanto de sangue das gengivas.
O banheiro estava brilhando de tão limpo.
F. A. ainda pensava em ser mártir.
Hora do almoço era difícil encontrar a mãe em casa, nos afazeres domésticos e rotineiros. “Safei-me? Eu não sei o que faço. Agora mais lascado que tudo, que todos. Sem dinheiro, sem destino, sem vontade, sem dente, sem caminhão, sem boléia, sem dente, sem mãe, sem dente”. Foram três dentes. O sangue não coagulava. “Meu sangue estava quente. Preciso comer espinafre”. Abriu a geladeira. Comeu uma salsicha e um pedaço de queijo. Depois tomou iogurte. Caminhou pela casa. Entrou mais. Quarto. Pegou toalha e sabonete. Banheiro. Brilhando de tão limpo. Vassoura e rodo escorados na parede. F. A. procurando o sexo. Sexo com gosto de sangue. Fazendo e engolindo o sangue. Sangue quente. Água quente. Ele sangrando ele mesmo.
F. A. sai do banho.
“Vou ser mártir”.
Os passos da mãe próximos. Aproximação. F. A. no quarto, distraído. Mãe que entra pela porta dos fundos. F. A. no quarto, quase limpo, limpo de banho. Mãe neurótica com manchas de sangue na casa não mais limpa. Casa suja, mãe maluca. F. A. prestes a morrer uma morte diária e a mãe que pega de uma faca. Mãe entrando. Entrou. Um susto e uma frase “O que é aquilo no chão da minha cozinha, seu desgraçado!”... Chegou a hora de F. A.. A mãe pulando no pescoço de F. A. e ele que consegue esquivar-se. Lembrou da desgraçada gravata vermelha sobre a cama. Foi por trás, num golpe só laçou a mãe, deu um nó forte, a mãe ficando roxa, sem ar, F. A. sufocando a mãe neurótica, “eu vou ser mártir, eu vou ser mártir”...
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"Hawkeye by ~DocSonian"
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