Por Germano Xavier
Levamos sempre a parte que nos falta. Embrulhados e formidáveis, levamos, quando saímos, também nossas proezas e nossas vinganças. Apavorados, berramos cinturados por látegos e grilhões. Nossas imediatas evidências são os ápices de quando conhecemos as coisas. Precisamos sempre do primeiro encontro, ainda puro, sem análise, sem estudo de caso, sem tese. Assim o flúmen desce a correnteza banindo dérbis e outras maiores sentenças heráldicas. Os tangos sempre existem e também esquinas por onde os sinos dobram badalos. Somos diversidades iguais, em tons entusiastas, no passo de uma mazurca noturna, mentalizando deuses, arrancando confirmações, iludindo nossos sentidos, fabricando supremacias, centrando e desacoplando geometrias e álgebras. Ela trouxe à baila nossa verdade e foi para ela que escrevi minha febril penitência. Eu estava saindo de casa. Dormi pouco e muito era. Não dava mais. Insuportável esfera de doer no peito, machucando minha infância de amar. Dor no peito que é passeio sem mãos. Eu saía de casa, àquela hora da noite, chuva em ópera, pássaros acuados, e era eu quem regressava. Era eu quem voltaria a vê-la trôpega, preguiçosa, o sempre tropeçar no pano sempre da porta do banheiro. Aquele dela vestidinho de menina roceira, rocio de madrugadas da gente, égua cavalgando meus pastos, patos e lagoas, patos. Eu singraria toda aquela água negra e côncava, encharcado no meu próprio charco, meu defunto, atirado em êxtase, e também vivo, pirata que eu era, saqueador, afanador de tesouros, perfurador de petróleo.
Foi para ela que escrevi a palavra que escorria de mim.
Nosso tango, rodopiado sob o teto do Grand Palais.
5 comentários:
Crédito da imagem:
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by ~fe-e"
Deviantart
A parte que nos falta é a que mais amamos.
Sensacional! Muito bom, meu nobre!
senti as palavras dançarem aqui.
muito bom!
I hear in my mind...
Muitas palavras:
"Embrulhados e formidáveis" pode ser título de um conto. Ou poema.
Látegos, ápices, flúmen, dérbis, álgebras, ópera, trôpega, égua e muitas outras sem o sinal gráfico, mas o fonema está lá, tônico e forte para que todos leiam.
Você não escreve à deriva,
Arma tudo muito bem.
Talento perfeito.
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