quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Vereda seca



Por Germano Xavier


“Eu devia estar diante da mulher da minha vida!”, exclamei. Fiz isso com a voz rouca e peculiar do menino para o menino que existia dentro de mim mesmo, na porta da escola, naquele dia azulado. Era tarde, o dia ensolarado, o local metálico demais, sem rosas, sem flor alguma, nem uma sequer anônima flor que varasse qualquer metro daquele asfalto e diminuísse a angústia instalada em meu peito. Apenas uma árvore exibia uma modesta sombra sobre a calçada abarrotada de estudantes. Eu moço ainda, em terra estrangeira, calor danado, típico garoto com o sonho de ser alguma coisa na vida. Eu me lembro do colégio e de quase todos os meus colegas, dos professores, do simpático casal dono do colégio. E que o coordenador, Sr. Adimar, com aquele celular na cintura e pose de mafioso do Mario Puzo, fazia a gente tremer de medo nas aulas. Tinha o professor gago de química que no começo era insuportável porque além da gagueira ele tremia e suava de tanta vergonha e a gente não aceitava aquele disparate todo dentro de uma sala de aula. Afinal de contas nossos pais pagavam caro e queríamos professores bons. Tirando isso, era um colégio normal, mas naquele dia algo de muito especial havia sido selado entre dois corpos, alguma sensação ainda sem nome e sem rosto. A perplexidade tomou conta de mim. Foram poucos segundos de uma eternidade mágica.

“Até amanhã”, disse a menina, olhando profundamente para o semblante imótuo que era justamente o meu rosto. Logo depois dobrou a esquina que dava sentido ao centro da cidade, e sumiu feito um arco-íris. Sem saber como agir, repeti com a voz suave e trêmula as mesmas palavras da moça: “Até amanhã!” Ao sentir os olhos perderem de vista a figura que a pouco beijara, coloquei minha mão na altura do peito e percebi o pulsar do meu coração acelerar. O compasso desmarcado dos batimentos confundia-se com a profusão de idéias que se instalara em minha mente após o ocorrido. O toque labial ainda ingênuo, a proximidade absurda da carne, tudo se revelava inesquecível. Tive a impressão de estar em outra dimensão, flutuando no vazio de um sentir-se preenchido, tamanho o vigor impactante do instante. Foi somente um beijo, um curto querer estar junto, um mergulho na descoberta de si, um vôo... “para onde fostes, minha amada? Como podes me deixar aqui, na solidão de ser só eu, quando poderíamos ser o produto de uma só criatura? Não tens pena de mim?”, resmunguei, agigantando a vitalidade de uma recém-nascida saudade.

Foi meu destino alcançar-te com a rouquidão e fraqueza de minha voz. Devia estar escrito em alguma nuvem deste longínquo firmamento. Eu devia ter luz própria. Seria eu uma estrela? Quando criança, em conversas de família, ouvia minha mãe dizer que quando eu me tornasse um homem de verdade iria me casar com uma loira, alta, rica e dona de longos fios de cabelo. Para ela, bastava ser bonita e andar bem arrumada. Naqueles idos, tais palavras soavam como uma verdadeira intimação, um ultimato severo e sem direito a outra escolha. Tentei não idealizar a natureza estética de minha futura namorada ou esposa. A única vaidade que tinha concernente a este fato era a de imaginar que fosse ela bastante inteligente. Partia do pressuposto de que o ato de idealizar algo nos faz sofrer, torna-nos seres humanos indefesos e imaturos. Falo isso, pois sempre idealizei muito. Na época natalina, por exemplo, ou nas vésperas dos meus aniversários, nunca meu pensamento alcançou a pequenez material do que sempre era presenteado. Eu era grande, quase um homem, porém meus anseios eram diminutos. Isso me fazia mais feliz que outrora. O meu silêncio agora podia ser ouvido a léguas de distância. O murmurinho do meu coração parecia estar querendo emanar a atenção de seres extraterrenos, tamanho era o barulho oriundo de toda aquela minha inquietação interior.

“Por que há de me abandonar justamente nestas horas inexperientes do meu ser? Volte para os meus braços! Abrace-me com o calor da sua pele branca!”, continuava. Do outro lado da rua, quase chegando ao centro da cidade a moça pensava consigo mesma “estou apaixonada por você! Estou encantada com o teu expressar tímido e pensativo”. À tarde, o caminho longo da volta, o ruído do pneu do carro tocando o asfalto ardido, as árvores passando velozmente diante da janela, o silêncio desesperador da minha alma. Sensações únicas sentidas na germinação de meus odores raros. Naveguei em águas profundas e azuis, soçobrando-me em minha solidão. Acabei no fundo do mar, na companhia de corais das mais diferentes formas. Estava perdido. Não havia oceano, e não havia água, não havia coral, nem a face magnífica do amor! Mas quem é você para me deixar assim, neste estado existencial indesejado e dicotômico? Será preciso a escuridão para perceber o quanto é acolhedora a claridade? Para te ver não basta que eu te sinta! Fechar os olhos e imaginar a imagem contínua do meu complemento... eu não posso chorar do teu lado, de saudade? Apertar sua mão, olhar nos seus olhos de floresta, e até mesmo ver uma fileira de formigas se dispersarem por um risco feito no meio do caminho? Será preciso uma despedida para eu ter consciência de que os momentos dessa vida, por mais que durem, são efêmeros?

Pensar que foi ontem que nos encontramos, sendo que há dois meses nos vemos todos os dias, como dois a se olharem num espelho. Não canso de refletir a minha imagem na sua. Minha cronologia é a da batida do meu coração. O seu bater silencioso e límpido nas ruas do mundo simbolizam o meu costume de querer-te. Faz pouco que senti o farfalhar das árvores sobre minha cabeça. Isso não me é de uma maciez incólume! Mas o que é a mulher em si? O que ela pode representar para a vida de um homem? Como não se deixar apaixonar por tal divindade? Comparo as mulheres às ostras. Mulheres... mas eu acordei sonolento. Era manhã do outro dia. Quarto pequeno, noite turbulenta e o pensamento distante. Distante léguas e léguas daquele lençol quente e daquele olhar desentendido. Parei por alguns segundos, observei os porta-retratos na estante e os meus livros sobre a mesa de madeira ao lado da porta. Os perfumes do meu tio, os discos de Dance e as roupas. Tudo estava ali, intocado e sem nenhum movimento. Estava tudo dentro da normalidade da minha vida normal. O mesmo vento que balançava as algarobas da praça da igreja matriz, as mesmas forças operantes e invisíveis que dobravam aquela esquina de lembranças e recordações moleques e infantis. As brincadeiras improvisadas com as meninas e os meninos até onde a rua conseguia se estender. Bila, pega-pega, esconde-esconde, bolo, e claro, o bom e velho futebol. Tudo muito similar à manhã do dia anterior, mas eu acordei, minha avó prestes a despertar de seu sono leve e preparar aquele cuscuz com requeijão delicioso...

Segundo dia e a gente já pensava em casamento e demos as mãos na festinha do meio do ano, depois da igreja, e estávamos andando nas nuvens, eu estava, não sei você, você nunca dizia nada e pior era eu, e seu horário estipulado para o regresso à casa. Seus pais no portão entravam quando apontávamos na esquina, deviam não gostar de mim, mas eles já estavam sabendo e isso para mim era realmente importante porque ser sombra é muito ruim. O seu irmão, aquela coisa aboiolada que sempre ficava rondando o nosso namoro, era mesmo um mestre na hora de sumir, quando eu ia deixar você na porta da tua casa. Confesso que tinha vontade de dar um murro bem no meio do olho dele sempre que se aproximava para dizer com aquela voz de garça aidética “olha a hora, viu!”. Mas eu era um bom moço, comportado, que vestia camisa de manga longa dobrada no cotovelo e que combinava o sapato com o cinto. Tudo para não te decepcionar e parecer alguém promissor. Sua mãe era uma boa mulher, seu pai um idiota de cabelos brancos. Dentro de mim eu sempre mostrava o dedo para ele, saiba disso. Foi bom conhecer os teus avós naquela tarde calma e a aparente simplicidade com que venciam os dias. Vocês apareceram no carro e me chamaram. Nada combinado, sempre melhor assim. Você não percebia que o improviso era gostoso de praticar. Foi isso que começou a me matar, matar o que eu tinha aqui dentro. Você não tinha vontade própria, tinha leis a seguir, e eu, apesar de todo engomado, sabia que banho de chuva tinha um gosto especial.

Aí fui não agüentando mais e mesmo assim quatro anos, não foi isso?, quatro anos e nada de você ficar de quatro para mim. Eu me sentia o homem mais imbecil do universo, como que traído não por você, mas por mim mesmo. Eu com essa cara de machão e quatro anos sem comer você. Nessa época era só isso que eu queria, mesmo com você longe fazendo o teu curso, eu ficava imaginando o dia em que voltaria e de novo eu te apertava contra a parede da sala, tentava uma investida mais forte, baixar a mão na direção dos teus vales ou das tuas montanhas, morrinhos pontiagudos no seu caso, e lembro da tua cara de “menino, deixa disso!, meus pais estão no quarto e podem aparecer”. Eu mandava todo mundo para a puta que pariu quando me olhava assim. Vá se foder você também, não corre sangue dentro de você, merda? Não quero me casar com uma barata, inseto de sangue frio. E você nada, nem uma pegada firme no meu membro para sentir que você era minha dona, nada, nada.

Agüentei tudo e você foi trabalhar na cidade grande e na Semana Santa atravessei o mundo por vinte e seis horas seguidas dentro da desgraça de um ônibus e fui chegar aí altas horas da madrugada e sem ninguém. Parei na frente dum posto de combustível abandonado, olhei para os lados e só vi medo e vontade de correr para algum lugar. Dava para ver a cidade inteira de onde eu estava, as luzes acesas e em cima um punhado de estrelas alumiando. Desceu um cara comigo e perguntou qual era o meu nome. Eu disse e ele falou “você é meu xará. Sou polícia e agüenta aí que vem logo um carro do departamento, te deixo na rodoviária do centro”. Vinte e seis horas com você no meu pensamento, mas a verdade mesmo é que fui porque agora, com seus pais distantes da gente, minhas chances de te furar eram muito maiores. O carro chegou e logo estava dentro da cidade, ainda perdido. Esperei o sol se animar e liguei para tua casa. Você veio com pouco tempo, você era a mulher da minha vida, porra!, apareceu de mansinho, quase não falou nada, sentou na minha perna esquerda, tuas coxas grossas pesando sobre mim, teus olhinhos verdes, eu o homem mais feliz do mundo, subindo uma lava de dentro, eu querendo agradecer até a Deus por qualquer coisa e principalmente por estar ali, você num cheiro que me castigava, tão quentinha debruçada no meu abraço, quatro anos, amor!, você disse que queria uma aliança bem grossa e treinamos até o beijo que daríamos dentro da igreja depois dos sins.

Você me pôs para descansar um pouco e preparou um leite. Ficou comigo o tempo todo e de tarde lembro do vestido jeans que você usou quando fomos à farmácia comprar o gel. Dia de domingo e as ruas vazias, as lojas fechadas, um ar tão doce, respirei. Ainda deu tempo para almoçar e voltamos. Como tatus, fomos para dentro do seu quarto. Fui teu professor, você travada, dura em tudo, nem conseguia abrir a perna direito. Estava morrendo de fome de você, quatro anos famélico e agora o dia tão esperado. Agimos sem cerimônias, você tirou tudo e me mostrou o teu V carnudinho. Faltei babar, aquela história de lava de novo, beijos, a gente se enrolando no lençol, peguei o gel e fui passando devagarzinho em tua boceta pequenina. Meus dedos na melhor valsa, dançavam, eu esfregava, você esboçava um gemido, você era a mulher da minha vida, empurrei o indicador e fui sentindo. Logo você colocaria uma bala de hortelã na boca e começaria a chupar meu pau de joelhos, lembra? Você dando seus primeiros ares de mulher, como foi gostoso. Lembro que fodemos muito naquela tarde, e também durante a noite quando voltamos da igreja. Pensei em ouro 24 quilates.

O tempo foi passando e chegamos a trepar até na casa dos meus pais. Lembro do colchão manchado e da desculpa que você deu para minha mãe no dia seguinte, dizendo que tinha menstruado durante o sono. Você ficou tão linda para mim naquele dia, lingerie bege toda desenhada. Um luxo. Depois te mostrei um lugar bonito e você na volta veio literalmente agarrada em mim. Quatro anos, nem acredito, eu consegui!, sou mesmo um felizardo. Você era virgem e sangrou teu primeiro amor nas minhas pernas. Engraçado como dou risada de você agora, quando passa por mim de mãos dadas com aquele idiota do teu marido. Fiquei sabendo que nem em casa ele gosta de ficar. No bar, certo dia, reparei o teu anel, um 18 quilates qualquer. Teu marido parece um mongolóide. Pensando bem, sou muito feliz, sabe. Aquele sangue que você derramou é a prova inconteste de que você não foi qualquer uma. Acho-te mágica também, e nem sei se você desconfia, mas não é toda mulher que tem o poder de edificar sentidos quando abre as pernas para um homem. Mas, de todo modo, releve tudo, talvez eu não preste mesmo. E ponto final.

2 comentários:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"__Des__encontros_by_wickerchair"
Deviantart

Dauri Batisti disse...

Ae Germano,

gostei da divisão ao lado dos conteúdos do blog. Boa.

Abração.