A piteira da cigarrilha Menendez Amerino descolou da folha de fumo e era apenas a tarde do meu dia que estava por começar. Cigarrilhas são mais doces porque suas fumaças tóxicas não entram direto no peito, nem possuem filtros, nos aparecem sem máscaras. Cheguei em casa cansado, depois de andar muito pelo centro da cidade procurando um livro de um escritor argentino que muito admiro. Antes, olhei a caixa dos correios, mas nada encontrei para mim. Sempre espero por alguma carta salva-vidas, daquelas que vêm com um certo tipo de papel com cores bastantes insinuantes, amarelo com bordas vermelhas, por exemplo, e letras garrafais ao centro com os dizeres “Você ganhou! Você é o mais novo felizardo! Você acaba de ganhar uma...”, mas como sei que isto é deveras improvável de acontecer a esta altura da minha vida, eu bem trocaria a minha correspondência pelo prazer de ver, dentro da caixinha, a carta suicida deixada pela vizinha do 101, aquela bruxa. Mulher filha do cão, isso ela é. Criatura do demo!
Mas amanhã, quem sabe, uma missiva me chegue, como quem dá um abraço daqueles de urso quebra-costela, que estala até a última cervical, filmando-me pensamentos. Sim, muitos deles. Eu queria. Eu sou um sujeito esperançoso, mesmo que a esperança more bem lá no fundo de mim. Eu queria uma cartinha dizendo “meu amor, meu!”, com uma exclamação assim no fim, fechando a idéia. E depois um “me dá um abraço?”, para me fazer esquecer o quanto ando exausto ultimamente. Por que não consegui dormir, seria uma boa pergunta. Café com leite e um abismo se abrindo em minha frente tem sido a essência dos meus dias. Como contar ao mundo que sou só? Como não ficar triste com toda a minha condição de ser sozinho no globo terrestre? Tanta gente lá fora e eu aqui, amarrado nesta cadeira, preso nesta cama, ferido por minha inércia, magoado por mim mesmo e minha falta de ação.
Houve tempo que suportava mais a minha própria presença. Mas hoje não, não sou mais aquele rapazinho que via a vida desordenadamente e que parecia possuir uma carapaça duríssima a cobrir o corpo, e a alma, e que atravessava o campo de batalha sem nenhuma escoriação, completamente incólume. Ando tão “não sei...”, que parece que a última coisa que ainda me restou depois do dia já terminado e escorado na esquina da noite, feito uma prostituta da Lapa, foram os meus pensamentos. Pensamentos? Sim, eu diria, eles, inteiros dentro do meu crânio, como gomos de uma laranja azeda cortada em quatro partes, esperando os dentes para arrancá-los da casca, sem nenhuma titubeação. Carne e osso do pensar, da minha cabeça. Pensamentos que não me deixam dormir... - só podem não ser lá muito bons.
Eu estava agitado, ontem à noite. Estava com saudades, com vontade de você, de um colo indefinido, que só poderia ser o seu, mas que não sei... E por mais que alguém tentasse, ou se até mesmo eu me arremetesse em outras paragens, não seria o suficiente para satisfazer os meus desejos de um domingo à noite. Estou ansioso. Não paro de pensar. Fico te imaginando. Imaginando a todo instante. Minha nossa! Eu estou amando! Você não imagina o quanto estou te amando, o quanto amo você, cada dia mais e mais. Ontem, pus a velha vitrola para tocar, luz apagada, olhava para o espaço vazio na cama, queria saber do teu perfume em meus cabelos, nos meus lençóis. A maneira como teu corpo se acomoda na cama, se tu olharias em meus olhos, se conversaria pela madrugada toda, se afagaria meus cabelos. Se colocarias teus pés junto aos meus, se deixaria eu repousar minha perna direita sobre a tua esquerda. Se ficaria com os olhos pequetitos a me espreitar, se levemente adormeceria, se procuraria minha mão com a tua mão, como a procuraria, se enlaçaria dedo por dedo, ou se pegaria a mão inteira de uma só vez, se faria carinho na mão minha com o dedo teu...
Se dormiria totalmente vestida, se permitiria recostar minha cabeça em teu peito a afundar minha boca em teus mamilos, desenhar amores em tuas curvas, os sons que emanas enquanto serenas... Se dormes rapidamente, ou se fica estalado fitando o teto, se gosta do escuro total, se gosta da luz, se prefere a televisão ligada, o rádio, o fone, ou prefere som nenhum... Se gostarias de minha cama, se comentaria da sua altura, da sua fofura, das molas ensacadas, se pularias nela para testar, se sentirias descansado, tranquilo, em paz, ao dividir nosso espaço de repouso. Se deixarias eu mordiscar teu queixo, brincarias de cócegas, e acharia graça em algum momento bom, se contaria histórias, se se emocionarias com as minhas histórias sem pé nem cabeça, se teria prazer em falar-me, se abraçar-me-ia forte. Se pediria para que ficasse de costas e tu levemente encaixasse teu corpo ao meu, e sentisse minha nuca, meu perfume, e grudasse os corpos em nosso enlace feito das vastidões. Se gostarias do meu pijama, se acharia graça do xadrez, se preferirias o short, a calça surrada e a blusa qualquer, ou quem sabe o corpo nu. Se sentirias calor, se roubarias meu cobertor no meio da noite.
Eu me pergunto, aqui, agora, recebendo o vento produzido pelo ventilador. Eu me pergunto insandecidamente, o que é mesmo que estou fazendo aqui? Pergunto-me para te perguntar, sem querer respostas. Eu me interrogo, como se fosse a coisa mais maravilhosa do mundo o questionar, o estar sem respotas, caído na masmorra desta desgraça que é o não saber de nada e o saber de tudo. Sentirias frio e rolaria para perto do meu corpo quente? ... ou me procurarias no meio da noite, buscando um beijo, ou simplesmente um cheiro bom. Se colocarias as mãos em minha coxa, se não importaria com meu jeito de ocupar a cama toda. Se me recitaria versos de menina apaixonada, se sentiria meus arrepios, se ouviria meu pulsar de quem ama.
O riso em ser acordado com torradas de queijo e capuccino, o beijo matinal. Se te importaria de beijar-me os lábios pela manhã, sem antes ter escovado os dentes. Se me permitirias te observar, da cama, teus levantares, teus vestires. Se me permitirias ficar à porta do banheiro, enquanto você retira o excesso de madrugada dos teus olhos, e escova com o pente tuas madeixas... Se daria sorrisos tímidos, se me fitarias pelo espelho. Se deixaria eu sentar no chão do banheiro, enquanto tu tomas banho, e ouviria meus pensamentos do dia nascido. Se me chamarias ao banho, amarias sobre a água. Se gostarias disso tudo. Se te bastaria essa vida. Ah, garota, como eu sei que iria te amar. Minhas frases seriam meus sentires, e meus sentires seriam somente teus. O puro cataclisma estético provocador de sentidos e sensações. O algo mais que a mera forma. Como melhor do que pensar seria viver e vivenciar tudo isso do teu lado!
Seriam tais pensares que povoariam minha noite quando passaria a não suportar mais o peso das pálpebras. O pensamento é uma vara enfiada no meio do coração, intumescida com o veneno mais dilacerante, e foste tu, com o teu veneno, a me povoar em matanças. A colonizar, a desbravar, a fincar bandeiras, e permanecer, alva em meu suspirar! Então seria por tudo isso que dormiria tranquilamente hoje, pois tu me pensavas e eu pensavas a ti, e uma coberta de aconchegos me cairia sobre a alma. “De tudo ao meu amor serei atento”, que vontade. E mudaria, pois, os versos finais do poeta: "Que fosse imortal, posto que é chama. E que fosse infinito pois iria durar. Fecha aspas. Tu me farias feliz neste nada vão momento meu! Teriam mais cores meus dias, com tua chegada! Vivê-la, em cada vão momento! Fiel, encontrar-me-ia, a ti, no desejado amor sem fim, e que em nossos confins, imperasse sempre o nosso elo. Eu me saberia mais depois que você passasse a existir em minha vida. Te queria, compartilhar! Viajaria para o local dos teus pensamentos enquanto tu me escrevias esta cartinha que não tenho, e que não sei se um dia a teria. E me veria em todas a frações do teu imaginar.
Boa parte, senão tudo, seria do meu agir natural. Te desenharia em meus sonhos abertos, agora, contemplando a arte instaurada, me ofuscando com teus brilhares. Das simplicidades dos toques aos anseios das funduras, nosso amor seria antes de tudo um amor poético. E na poesia do nosso elar estaria o segredo dos nossos olhos. Seria incapaz de não amar você, menina. Cada hora nova, sinto tu em novo canto meu. Cada segundo novo, sinto nós, mais perto. Mais juntos. Mais laços. Mais marinheiros. Mais elo! Nós de nós.Tudo o que tu pensas e imaginas, é em mim vivo também. Amo o grafite com o qual te desenho. Sonho altamente com todos os detalhes. Sei que tal grafite veio de tuas essências.
Quanta saudade do que nunca vi, toquei, senti! Quanta saudade de você que só sei por meio desta carta que só tenho em pensamento. Estaríamos, ambos, malucos? Mas, me diz, até que ponto você existe? Sou eu o único doente de amor? Quanta saudade de você que só existe em minha imaginação. Onde já se viu, juízo, em apaixonar-se por uma irrealidade. Quanta saudade da mulher maravilhosa que eu sei que tu és. É aí que está o segredo? O saber de tua existência mais que possível? O suspeitar? A credulidade das coisas de nós? E agora, abro meus braços fortes, e daí tu me enlaças o peito, como a me saber também? E me sentes? Seríamos eu e tu? Teu corpo e tua alma se encaixaria às minhas fundições? Chave-fechadura, de uma porta sempre aberta, ensolarada, serena? Ou o que quiser. Você seria, realmente, um presente que a vida me daria? Razão deste coração acelerado, motivo dos meus sorrisos sinceros, profundidade dos meus gostares... Tu me terias? Eu seria teu? Entregue? Doação? Cuida bem! Vou cuidar de ti e de nós, amor. Tu serás minha, minha companheira de viver. Eu serei feliz! E intento te trazer um punhado de felicidade todos os dias. Cada vez mais. Mas que bom seria... se não foste tu, em meu sonho, quem eu tanto queria.
4 comentários:
Crédito da imagem:
"Day 50
by *billyunderscorebwa"
Deviantart
Lendo e me deleitando de suas palavras é que percebo que estou a anos-luz de alguma coisa que possa ser dita perfeita !!!! Ave, Germano !!! Abraços !!!
Lindo final...Um abraço.
e, antes, se pensaria não poder amar.
mentira, eu sempre amei.
não há problema em estar mais dentro do que fora.
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