quarta-feira, 13 de abril de 2011

A coisa dos filetes vermelhos

Por Germano Xavier

Para Victor Tavares
em lembrança de Maiara Hungria


há muito não conversávamos. apesar de sermos colegas de sala, dificilmente nos batíamos. muitos desses desencontros encontravam suas raízes em mim, em minha parcela que mistura orgulho, introspecção e tristeza. ele era um cara bom da cabeça, um aficcionado por literatura marginal. Rubem Fonseca, Trevisan, Fante e Buko eram dos seus preferidos. depois que o conheci, passei a ler com mais atenção esses autores. de certo modo, aquilo era um indício de que eu estava mesmo mudando. gostava dos clássicos, histórias que se passavam extremamente longe dos nossos problemas atuais mais corriqueiros. sim, era uma denúncia e eu estava mudando, fazendo uma pequena reforma comportamental. o cara tinha um palavreado que o tornava quase que personagem de um daqueles contos que ele sempre me trazia de sua casa. mas, o certo é que era um cara fino e eu gostava de ficar ali, conversando amigavelmente com ele. certa feita, no intervalo entre a aula de na faculdade, resolvi mostrar a ele a boneca do meu primeiro livro de poesia. não estranhe, creio que sou menos horrível quando escrevo poemas. minha prosa é para poucos. aquela semana tinha sido a melhor semana da minha vida, dos meus vinte e um anos de idade. o contato com a editora, o orçamento feito, a pessoa de Kaliana conhecida (ela foi quem cuidou da diagramação do livro), o inefável prazer e delírio ao receber o projeto, já em seu formato definitivo. foi uma semana inesquecível, apesar de passar dias de muita ansiedade. pelo visto, ele gostou, ou então era um bom fingidor. puta que pariu, poeta! qual foi, rapaz?! a capa ficou massa, esse preto chama muito a atenção. e estes dois filetes vermelhos, o que significam? aí vai de cada um, meu caro. é muito subjetivo, demasiado pessoal. por exemplo, eu veja esta questão de que em nada há uma ligação ou encontro, um desconjunto, um desapego, uma busca. não vai querer que eu explique, não é?! mas, isso vai de cada um. uma colega lá de jornalismo disse que pareciam com dois semblantes humanos. é uma viagem, eu nunca pensei nisso. ficou massa, velho! agora, só peço uma coisa, não olhe o miolo. sabe como é, vai perder a graça. que nada, poeta! que onda é essa?! a surpresa é sempre a melhor parte, o deleite, o sublime. não custa nada esperar um pouco, não tardará muito para que a impressão dos exemplares fique pronta. tudo bem... pelo menos posso ler as orelhas? sem problemas, manda ver! quem foi que escreveu a biografia? foi você mesmo? não, uma professora de antes. tem uma rasgação de seda bem veemente aí, acho que é bem perceptível. ficou legal, massa... torço por você. e o lançamento? vou fazer uma coisinha lá na minha cidade, só para não passar em branco. e aqui? não sei, vou pensar no caso. tá massa, meu velho! é, acho que não dá para passar muita vergonha não. em se tratando de um começo, imagino que esteja mais ou menos. só imagino. sem dúvida. ele me devolveu o livro. guardei-o com muita cautela em minha bolsa. olhei para os lados, a turma inteira do lado de fora. intervalo. o céu negro e a lua, silenciosa, a passear sorrisos lentamente sobre os homens que encontravam na conversa as suas compensações para tanta vida malvada. estávamos sentados, ainda, quando chamei a atenção do meu amigo. e aí, meu amigo, o que é que você acha da "pequena" ali? sim... sim... aquela toda agitada, a baixinha? é, essa mesm... rapaz, ela é massa, parece um motorzinho. tá se achando com ela, é? é, parece que vamos nos bater a qualquer momento. é só uma questão de tempo, de pouco tempo. já está tudo encaminhado, pelo menos é o que eu acho. vai fundo, meu velho. estou só esperando ela aparecer ali no corredor. vou falar com ela. engraçado, foi só eu terminar de fechar a minha frase e ela apareceu, ao lado de uma amiga. não hesitei. vou lá, camará! me deseje sorte! até mais, meu camarada... boa sorte! agora era somente eu e ela, dois. saímos da faculdade. um lugarzinho escuro é sempre melhor nessas ocasiões. dito e feito. uma breve conversa e eu já estava enlabeando a garota. ela e o seu jeitinho todo-todo de ser, ou melhor, um jeitinho todo tic-tic-tic de ser. aconteceu. hoje é sexta-feira e o que vai acontecer daqui por diante... nem me pergunte. dois dias que estamos juntos e o Victor estava certo. ela é mesmo uma pequena notável, uma menina de choque, de faísca. nada daquela baba, nem de beatice. dos tipos quase interessantes de mulher...

Um comentário:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"Local do crime by ~leodomingos"
DEviantart