terça-feira, 12 de abril de 2011

Damiano


Por Germano Xavier

Quando Hitler morreu, Damiano era o homem que comandava os bastidores da história do futuro. Amava e adorava o futuro. Tanto amava e adorava que uma vez vaticinou a morte do futuro. E foi o dia mais triste e memorável na vida de Damiano. Não esperou o tiro de misericórdia dentro do bunker nem correu desesperado pelo centro de Berlim. Aliás, ele não corria por nada. Preferia sentar e observar o rio passando e as pessoas que também passavam. A última coisa que queria era fugir ao ideal antigo. Damiano deu foi uma sabugada no rosto de sua própria rua e foi ver se a moça iria mesmo pedir a execução. A mulher tinha pedido a desforra, havia caçado a natureza de tantos queixumes e também autenticado todos os certificados de camarim. Damiano viria a menina selecionando os peixes segundo critérios de cor. E a menina escolheu dois pretos e dois amarelos. O aquário iria ficar lindo. Pena que peixes também morrem, mesmo os coloridos. Nessa hora, Damiano entristeceu. Clamou pelo cometa Harley, mas ela teimou e não passou como as pessoas que continuavam passando, simplesmente, passando. Um dia Hitler pediu atenção, parou de esbravejar comandos, decidiu ser o pó que já era há muito tempo e tempos são simples também, porque não passam de tempos. E ele bem sabia que os tempos passam. E pensou novamente no futuro. E pensou na irmandade Tempo e Futuro. Constatou que Tempo e Futuro não vivem desligados. São unha e carne, ou carne e unha. Tanto faz, faz tanto. Faz tanto tempo que o futuro não vem, pensou, passando. E passava a tarde, passava o dia, passava tudo e passava nada. E Damiano resolveu procrastinar os pensamentos. Foi ser homoerótico, à maneira de um símio resolveu amar. Amar sem ver a quem amar e amar e amar e amar. Aquilo lhe dava calafrios tão quentes que os lábios tremelicavam de desejo. E quando a moça alemã de roupas de festa passava no meio daqueles que passavam, Damiano ronronava idéias. Não era gato, mas ela era borralheira. Borrava Damiano sempre. Era o libelo, a prova do crime. Foi aí que Damiano resolveu praticar não o pneumotórax, mas o Simizdat. E escreveu um poema de auto-edição...


(...)
Preciso ser sem dó
Nem dor
Pois vou só
Mó pá
Mar amar
Não mar
Retiro cistos de dentro de mim
Vou ver meu fim?
Pra viver
Olhar sem sim?

(...)


Quando Damiano escrevia poemas é que chuva iria chover. Pediu licença ao libanês e foi rezar seu credo escocês. Ama doze anos. E ele manchando brancos e ela disse saudades. Do dedão do pé ao último fio de cabelo? Sí, bambina! Do dedão do pé ao último fio de cabelo. Pois é, você me tem. Meu amor, eu não nasci para ser fotógrafo, e nem para ser fotografado! Sou triste em 32mm. Por que diz isso? Afff! Eu nas fotos! Não acho. Assusta minhas palavras? Que palavras? Mandei ontem. Depois que li a carta. Não. Eu já nasci assustado. Eu já me acostumei a não-reações. Não gosto quando falas assim. Em acostumações... Na verdade, não me acostumo. Sou puta da vida. Assim é que se diz! Quer ser minha puta? Já sou, baby. Às vezes peno que não me quer. Adormecerei no teu colo rasgada. Eu te quero mesmo assim. Putas sempre se irritam. Não sou dessas – sou sua, apenas. Puta, vadia, devassa, insólita, desregrada. E marginal! Mas é que não sou um só. Sou vários. Sem escafandros? Como você em diversas fatias. Sem máscaras. Meu desejo é revelar-me. A mim, mormente. Inveja e ódio – tudo junto. Quero me conhecer através de tua vagina. Tudo isso enche a sua alma suja. Você tem a alma corrompida como a minha. Me fazer dentro de tua boceta! Você se fará! E é esperma a âncora do jogo? Farto não vai ficar – sempre com sede. Tenho certeza disso. Teu óleo de mulher não secará fácil assim. Queria devorar tudo o que diz. Ser teu livro sujo e cheio de perversão. Mulher! Porque minha ordem é o inverso das formas. Por que sempre com gentilezas, quando eu só queria tua forma de homem e amor louco? Meu maior sonho é formular o informulável das coisas! Então, me formule! Me tenha para si em todos os pontos. Quero estar entre suas pernas. Chupar teu mamilo. Mordê-lo. Afagá-lo. Com lascívia da língua. Chupar teus grandes lábios. E teus pequenos. E teus lábios-lábios. E me arrefecer de ardores. Queimar-te? No frio do teu gozo candente. Toda a sua virilidade. Sendo mórbido e vivo. Não há espaço em mim que não esteja à tua ordem. Toco meu próprio corpo sendo. E amo o imperdoável. Você emana vontades. Sinto cada vez. Eu sei. Você se alimenta de mim. Eu tenho o ventre corroído. Um filho, um incesto. Estou apaixonado por você. Latência. Quem joga tem coragem. Voz eloqüente de dentro. Me compra o féretro por não poder te ter de corpo. E me dói a ausência de dragões. Me alicerça o catafalco por ter você sem poder degustar na completude de tua incerteza. Há o que temos. Não há incerteza? Só sei de mim. Vou rasgar-me em pedaços. Puta, poeta, forma de mulher. Como a esfinge que não trai? Como o fogo quer o ar. Odeio coisas que não posso perpetuar. Quero e tenho e busco para me afogar no mesmo lago. Mas suas palavras, por mais que tentem, não me encontram na realidade e sofro dor de amor. Já chora? Já se elabora em pranto? Já toca teu corpo por mim? Era meu desejo... Se não fosse tão presente esta tua impresença. Porra... Estou dizendo que sou uma vadia que ama. Amo e não tenho fronteira. Amo a sua inteligência. Verdades sejam ditas! Amo a sua embriaguez. Não sabe como isso me perfura! Você está me desgraçando! Não! Não quero fazer isso. Tenho. Como tenho a mim. Somos o mesmo ser. Não pode dizer isso. A fantasia não é ambrosia! A fantasia é casa de volatilidades. Então me esqueça! Doídos e com raiva. Como te esquecer, depois de me esquartejar e me matar e me enterrar em teus domínios? Você me encontrou. Fez casa dentro da minha vagina que anda a latejar por ti. E agora me perfura e diz que não pode me ter porque outras e outros mundos. Quero foder você. Com você! Por você! Não tem volta. Não há retorno. Não tem volta. Morreremos juntos. Agora você me deixou o vazio da realidade. Aturdidos. Abriu mais as portas do meu vestíbulo sombrio. Sinto-me completo por um lado, e oco por outro. Você me roubou a vida. Seja forte e seja de mim. Não roubei. Eu dou vida. Estou cometendo crimes por você. Por pensar em você. Sou sua vida, seu gozo, seu sorriso. Por te querer para sempre. Cometa crimes! Seja meu! Eu o quero! Sirvo você! E como da mesma dor. Eu te amo! Eu amo e já me arde... Foi quando uma bomba explodiu bem onde estavam os dois. Os russos haviam chegado. A Alemanha perderia a guerra. Damiano morreu vaticinando o futuro, futuro do tempo que era seu. E o amor foi dos civis o único sobrevivente...

Um comentário:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"I_I by ~mikzn"
Deviantart