Por Iara Fernandes
Uma das coisas nesse seu equador de coisas que me fascina é o quanto me retorno, me revisito e me emociono - pra alegre a pra triste - a partir dessas suas dizências. São muitos os retornos e mais marcantes estes (logo depois que termino de te ler, registro a boa punhalada):
'Eu nasci em 1969, não vivi 1968, mas vivi a ditadura em suas singelezas: cantar com a bandeira do Brasil na mão, saudando um general, presidente, e ver um colega ser tirado da formação que a professora tinha planejado, porque resolveu inovar a letra da música e cantou que o general era um bundão; aprender que a Rússia era um país cercado de arame farpado e que comunistas eram pessoas más e sanguinolentas; assistir a desfiles da TRADIÇÃO FAMÍLIA E PROPRIEDADE, na rua onde morava; ouvir - junto a meu irmão, universitário combatente - as músicas do Vandré, com o ouvido colado na vitrola, pra não correr o risco de ser levado de casa, numa madrugada qualquer, e saber de parentes distantes mortos ou sumidos. Tudo isso eu vivi e estudei numa faculdade onde o prefeito do campus, ex-funcionário do DOI-CODI, proibia beijo, no recinto da escola, e solicitava atestado de sanidade mental a alguns alunos perseguidos, no ato de rematrícula.'
'Minha primeira leitura longa, inteira, sem pular páginas, foi ROSINHA MINHA CANOA, do mesmo Vasconcelos. "...E estreitando mais a cabeça da eguinha contra o peito que se renovava, esmagou ali brandamente um mundo de ternuras..." Na minha cabecinha de 10 anos, 5ª série, tudo me encantou e tentar saber como alguém podia escrever algo como 'esmagou brandamente um mundo de ternura' tornou-se minha mais prazerosa perseguição. Eu tinha quer ler, ler muito para descobrir de onde vinham essas combinações que eu saboreava com tanto prazer. Lobato veio na sequência, lida a coleção completa em casa de professora amiga de minha mãe. As meninas todas nas ruas jogando queimada, ou nos quintais, montando as casinhas com bonecas e eu indo bater à porta da casa da Regina, torcendo pra ela me deixar entrar e ler mais um pouco. Ela não emprestava, eu tinha que ler na sala dela, só, fora do gostoso das imensas mangueiras do quintal lá de casa. Também não tive quem me ensinasse muita coisa. As brincadeiras eram sempre entre eu e as duas bonecas, eu professora e elas alunas... Também tenho uma idade de nascer e também acho que isso de idade nem tem tanta importância assim, porém agora, penso que quando nossa inocência se recolhe, tudo o mais ganha contornos, por vezes, esquisitos. Os números que supostamente regulam nossa vitalidade batem, às vezes, na porta da memória e fazem muita questão de nos dizer que existe um fluxo indo, indo, indo... Como você disse, Germano, '...Lembrança é uma coisa dolorosa demais...' e acompanhar o fluxo, às vezes, também é...
Belo presente você me deu, no dia do seu...
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Crédito da imagem:
"Seele Brennt
by *kvnvk"
Deviantart
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