sexta-feira, 29 de abril de 2011

Que é que é?


Por Germano Xavier

VII


Perdoa, Senhor, eles não sabem o que fazem. O que é que você é? Que espécie de animal é você? É isso mesmo! Hoje resolvi falar direto com a sua pessoa, que mete o dedo no nariz do seu ócio repugnante. Você não enxerga o mundo que te cerca? Você se enxerga, verme de mostarda? Eu sei, e já disse isso muitas vezes... que a humanidade está fadada à civilização. Todavia, não é por isso que deixaremos de mexer nossos pauzinhos em prol de uma vida mais digna, igualitária e justa. O assunto é muito sério, seu canalha! É melhor tomar logo o seu comprimido. Eu não quero aborrecimento. Nessas horas, é bom um pouco de calma.

Não se preocupe comigo, eu já tomei o meu "chazinho" das três. Eu quero lhe falar de uma criança que tive a oportunidade de conhecer hoje. O nome dela era Uiliam. Ele não soube me dizer a sua idade. Desconhecia as idades dos seus irmãos, que eram no número de doze. Dissera-me que era o segundo mais jovem. O seu olhar era profundo, de um langor que trespassava a pouca gordura de seu corpo trigueiro e castigado pelo sol. Era noite e o frio não era tanto, mas capaz de fazer gemer um organismo infantil descamisado e que não devia ter os seus onze anos de idade no dorso infante. A fome é visível mesmo quando tenta-se, em vão, escondê-la. Não que o menino estivesse querendo esconder alguma coisa de mim, mas é que havia muito mais miséria e sofrimento por trás daquelas respostas curtas e secas que proferia.

Minha cabeça... ah, essa dor de novo!

Não quero imaginar que você é daquele tipo de pessoa que consegue dar risada numa situação tão constrangedora como esta. Não, eu não te imagino assim. Espere um pouco, eu não encontro a minha puçanga!

Sim, eu falava da noite e também do frio... Quando perguntei o que ele queria ser quando estivesse maior, ele sussurrou: "Nada." Se eu tinha alguma pretensão de entrevistar aquele pingo de gente, minha intenção terminou diante daquele singelo "nada", tão sequioso e tão cheio de esperança. Eu sabia e você também deve saber: Uiliam quer ser alguém na vida. Ter uma vida digna e justa é um direito de todos. Você sabe o que é miséria? Você desconfia das marcas desse sufoco? Vendo a sua cara de idiota, tão dissimulada e polida, começo a acreditar que o idiota aqui sou eu, que não vê a desfaçatez de seus trejeitos ordinários.

Afasta-te de mim, seu fescenino! Eu não quero discutir com você! Agora compreendo que de você não devo esperar nenhuma mão que acalenta o vazio, que acoberta a escassez ou que diminui a ânsia pela saciedade.

Deus, como poderei suportar tudo isso? Uiliam cruzou os braços fininhos na tentativa de encontrar os seus sonhos de menino, de menino de rua e que não tem o que comer nem onde refugiar-se. Seus pais parecem não esperar sua volta. Uiliam deita no banco da praça. A lua logo se prontifica em cobri-lo de estrelas e nuvens.

Deus, o que será de Uiliam? Há será?

Um comentário:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"Pequeno mendigo
by *Natushka"
Deviantart