Por Germano Xavier
VIII
E há será? O que é o futuro? Acordei um tanto soturno e pesado. Lágrimas presas. São os meus sonhos, eles parecem se afastar de mim quando mais necessito deles. Já esgotei o meu estoque particular de psicotrópicos. Tenho de me reforçar, o ano já vai raiando com todas as suas pseudoluzes. A preparação e a prevenção são de uma importância indizível. Tenho de fazer uma lista daqueles remédios de tarja preta que amo.
Ultimamente ando eufórico. Um princípio de explosão interna que ainda não descobri suas razões. Deve ser ainda a proximidade dessas festas, desses bacanais onde as pessoas exibem os seus mais novos trajes de falsidade brilhante. A melhor vestimenta é aquela que causar maior inveja e distanciamento. Estou sentado no chão de azulejos vermelhos da varanda da casa onde moro. Estou pensando na Morte, ou melhor, estou pensando em que tipo de Morte virá me abater. Os escritores são grandes inventores de mortes. O pior de tudo é que alguns deles morrem justamente do tipo de morte que inventaram, às vezes no momento exato da criação, como é o caso de um colega de ofício meu. O nome dele era Anacreonte. Anacreonte, que era poeta, escrevia celebrando o vinho e o amor. Certo dia, quando escrevia sobre um rapaz grego que morreu engasgado pelo amor, a "última das vistas" veio a ele fazer uma visitinha. Não deu outra, era uma vez Anacreonte. Meu amigo acabou se engasgando com um bago de uvas. Ai, minha cabeça! Há coisas inaceitáveis nessa vida. Não que ele amasse os tais frutinhos... é que os escritores gostam de dizer que possuem certas manias.
Mas que tipo de escritor sou eu, que até o prezado momento não detém a patente de nenhuma morte? Eu sei, eu não mereço a vida que tenho, e muitas pessoas estão na mesma fila. Os hospitais! Eu preciso de um leito só para mim, com paredes brancas e vista para o Atlântico. Eu preciso perceber o tamanho da minha insignificância... e essa imensidão azul...
Você viu Vida? Tocaste a Vida? Para onde a Vida te levou? Eu sei que você está um pouco constrangido com o que escrevo. Não fique assim. Não precisa se preocupar comigo. O teu sentimento só a ti pertence. Ah, se eu pudesse comandar teu rumo...
Vamos! Vai ficar aí, esperando a Morte chegar? Eu só quero que vocês me entendam! Eu só estou aqui de passagem e não estou nem aí para essa realidade. Vou enfiar a caneta nos meus olhos. Ai, que vontade estranha! Um dedo de prazer, é isso o que sinto nesse instante. Não, definitivamente não! Enfiar a caneta no globo ocular talvez não seja uma idéia original. Vocês sabem, os escritores estão sempre atrás de uma idéia original, o que na pós-modernidade é uma matéria-prima muito rara.
Meus esforços anticivilização estão cada vez mais brandos.
Eu não posso desistir! Onde os meus anticonvulsivos?
Senhor, livra-me das perdições dos homens...
Livra-me!
Um comentário:
Crédito da imagem:
"think of me as a train goes by by *permafrost6"
Deviantart
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