terça-feira, 2 de abril de 2013

Preconceito linguístico: até onde?


Por Germano Xavier

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2007.

Marcos Bagno, mineiro de Cataguases, atua no setor de graduação e no programa de pós-graduação em Lingüística do Departamento de Lingüística da Universidade de Brasília (UnB), onde hoje é professor. Na mesma instituição, ainda dirige o projeto IVEM (Impacto do Vernáculo sobre a Escrita Monitorada: mudança lingüística e conseqüências para o letramento escolar), sendo uma das maiores referências nacionais sobre essa esfera de conhecimento.

O linguista brasileiro vem se transformando numa unanimidade quando o assunto diz respeito à língua e à sociedade, assim como ao homem e todo o seu processo histórico de desenvolvimento, atuando diretamente, e de forma ativa, pelo fim da discriminação social produzida através do advento da linguagem. Para ele, a exclusão social que se dá através do preconceito lingüístico precisa ser analisada com mais atenção, para que não haja no ambiente social a massiva estratificação de valores que prejudicam a diversidade de um língua e, por conseguinte, a totalidade cultural de um povo.

A todo momento, em sua obra mais conhecida, o autor de “Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz”, nos leva a pensar a linguagem como ferramenta sine qua non para a realização do fenômeno da comunicação, da transmissão de mensagens e da geração de um movimento de sedimentação cultural de um povo ou de uma sociedade, desejando ele considerar, por essas e outras razões, motivos essenciais para que a “conquista” da fala, da língua, da linguagem seja um elemento tão fundamental e necessário, posto que as nossas diversas “vozes/falas” são os mais puros aprendizados que “fotografam” um determinado tempo.

Bagno vai nos endereçar ao caminho do conhecimento – objeto que trata como de natureza essencial -, preconizando que cada ser humano, cada indivíduo ou cada ator social, deve estar apto a respeitar as linhas limítrofes que no próximo estão instaladas, no que concerne à formação lingüística do prezado ser, modulando a idéia de que um ser humano de origem humilde, com dificuldades materiais frente ao processo educativo, tem a igual capacidade de outro, que desfrutou em sua vida de oportunidades mais propícias ao seu desenvolvimento intelecto-social.

Bagno considera a língua, acima de tudo, como um elemento de inserção social, capaz de transformar uma dada humanidade, uma respectiva ordem, tratando-a como uma entidade dotada de um valor estritamente concreto e apalpável, perceptível, dona de uma vivacidade que muito bem poder-se-ia ser equiparada ao próprio ser que a utiliza. E é aqui onde surge o paralelo-mestre da obra: o embate entre o formal e o informal dentro do universo de uma língua.

Durante o transcorrer da leitura, Bagno vai desmistificando diversos mitos referentes às variantes lingüísticas e suas aptidões-valores, quase todos ainda vivos – e bem vivos, pasmem! – em nossa sociedade. E, como aponta desde o início, a língua, mecanismo que deveria funcionar para um bem geral, facilitando ações, produzindo interferências positivas, termina dividindo, afastando, segregando, enraizada por um modelo de preconceito sutil e traiçoeiro que fragiliza a língua, dando-a um caráter dificultoso, de inacessibilidade, visto que conceitualiza e classifica o “utilizante” da língua a partir da escolha entre a norma culta ou não, criando uma perspectiva de fracasso e/ou sucesso nas pessoas.

Bagno, em seu livro, busca desconstruir a noção desse preconceito, “pondo a culpa” em peças importantes de todo o processo, como o analfabetismo, nossa escassa leitura, entre outras tantas... Reitera também a relevância das mudanças de atitudes por parte dos que usam a língua, apertando o cerco aos profissionais da língua materna e seus métodos pedagógicos de partilhamento do conhecimento.

Em tom por demais politizado, o autor vai tecendo comparações, esboçando desenhos imaginários, unindo liames distantes, tudo no justo desígnio de fazer o leitor refletir acerca do modo como essa expressão preconceituosa é tão presente em nosso território – só para reforçar o sentido – e, ao mesmo tempo, tão desvinculada de preocupação por autoridades e cidadãos simples. Mas até onde o preconceito lingüístico é um preconceito lingüístico, como ocorre e quais suas consequências? São perguntas que poderão ser respondidas após a leitura do livro de Bagno, ou senão alongadas ainda mais...

Um comentário:

Yvana disse...

Boa discussão Germano Xavier,O aluno (e o professor) deve entender que usar a norma padrão com todos seus adjuntos, flexões e concordâncias na mesa de almoço da família, por exemplo, pode gerar afastamento e dificultar a comunicação entre os falantes. Assim como, numa entrevista de emprego, o uso de uma linguagem distante da norma padrão resultaria na não contratação. Portanto é interessante propor ao aluno essa discussão permite que ele faça um uso crítico da linguagem, identificando seus vários registros, escolhendo o mais adequado para cada contexto, e exercendo suas habilidades de comunicação. Partindo da tese central de que “escrever é diferente de falar”, a autora do livro “Por uma vida melhor”, Heloísa Ramos, encontra oportunidade para estabelecer a distinção do aprendizado da língua falada [aprende-se a falar a língua materna “espontaneamente, ouvindo os adultos falarem ao seu redor”] e da língua escrita [que “exige um aprendizado formal”.]
Ao mesmo tempo, discutir o tema permite ao aluno não reproduzir certo preconceitos linguísticos com a FALA do caipira ou do nordestino ou de pessoas com menor escolaridade. Todos vivenciamos nossa língua materna desde pequenos e somos perfeitamente capazes de nos comunicar por meio dela. Obviamente, não é papel da escola incitar o preconceito entre seus alunos. Logo, ela faz bem quando reconhece as diferenças e ensina o formal para que, inclusive, tais diferenças sejam melhor discutidas e a barreira entre elas rompida.Entender a variação linguística como um fenômeno natural (sobretudo em se tratando de Educação de Jovens e Adultos) é reconhecer que o aluno vive uma realidade linguística anterior à sua alfabetização, e entender que essa realidade não deve ser vista com preconceito,A escola ao meu ver não deve relegar ao aluno um papel passivo, subestimando sua capacidade de dominar o próprio idioma. O aluno que se apropria do padrão culto e que sabe usar as variantes populares nas situações adequadas domina a língua portuguesa de maneira verdadeiramente “correta”, tornando-se sujeito de sua própria fala, capaz de conquistar sua emancipação e sua cidadania.