Por Germano Xavier
Juazeiro – BA, 25 de outubro de 2008.
Caro amigo Dom Germano,
Escrevo-o com a certeza de que temos as mesmas inquietações a respeito da educação. Pegamo-nos, por vezes, abismados com este mundo cada vez mais ligeiro, complexo, globalizado. Por isso, compartilhamos da idéia de que para o ser humano não ser apenas mais um, apenas fantoche dos que detêm o poder, ele precisa ser um cidadão consciente. Só que, para se ser um cidadão sujeito da história, não apenas um cidadão assujeitado ou objeto, o ser humano obrigatoriamente carece de ser instrumentalizado pela escola.
Mas, Dom Germano, como instrumentalizar pessoas que "são" avessas ao conhecimento? De fato, sabemos que a educação encontra-se em crise, e que, infelizmente, não somos capazes de apontar caminhos para uma boa saída. Contudo, nem por isso ficaremos inertes, imóveis, vendo o bonde da história da educação passar. Não é mesmo, caro amigo?
Por isso, Dom Germano, compartilho com você das idéias de Gadotti expostas no artigo Perspectivas atuais da educação, o qual ainda está fresco em minha mente. Mente esta que não cansa de buscar informações que contribuam para a minha contínua formação de educador.
Aproveito, Dom Germano, o momento para convidar você a ler também o artigo de Gadotti, para juntos discutirmos de maneira mais amadurecida o tema. E, Dom Germano, como bem diz Gadotti, a virada do milênio é uma ótima oportunidade para analisarmos as práticas e teorias que passaram pela história da educação. Assim, conseguiremos ter uma melhor visão do cenário atual da educação e criaremos perspectivas a respeito da escola do futuro. Desse modo, não podemos deixar de lembrar da educação tradicional, aquela, caro amigo, feita para poucos, nascida na sociedade escravista da Idade Antiga e declinada no início do movimento renascentista, e que, infelizmente, ainda tem seus vestígios na escola atual. Como sabemos, Dom Germano, a educação tradicional tem a mesma concepção individualista da educação nova, esta que se desenvolveu nos dois últimos séculos e tem como lema “aprender fazendo”.
Sim, mas como já falei aqui, o fenômeno da globalização é uma realidade, e com ele observamos a famigerada educação internacionalizada, isto é, planos educacionais nacionais que se assemelham muito com os do restante do mundo - essa realidade é devida às discussões ocorridas na Unesco. Dom Germano, há um fato que me assusta profundamente nesse processo passado pela sociedade mundial atual, a rapidez da comunicação, provocada pelas novas tecnologias. A cultura digital está aí, é uma realidade. E nós educadores temos que estar aptos em relação às diferentes linguagens disponíveis atualmente.
Francamente, eu acho que o papel da escola hoje é de fazer os alunos pensarem criticamente, simplesmente porque a informação está cada vez mais acessível na televisão, e principalmente na internet. Portanto, não se é mais possível proibir nossos filhos, nossos alunos de ter acesso a quaisquer informações. Temos, antes de tudo, de crias possibilidades para conscientizá-los.
Dom Germano, encontrei algo novíssimo no artigo de Gadotti, Paradigmas holonômicos. Somos de comum acordo que o ser humano é complexo, constituído por fatores psicológicos, sociológicos, religiosos, etc. E que tais fatores não podem ser analisados individualmente numa pessoa. Mas esse conceito de educação apresentado pelo autor é muito mais complexo diante de nossas singelas reflexões a respeito do ser humano, a respeito da educação, Dom Germano!
Mas, caro amigo, você melhor do que ninguém sabe do interesse que tenho pelo legado de Paulo Freire, sua pedagogia embasada na conscientização do cidadão. E você sabe o quanto que a disseminação de tal pedagogia contribuiu para a redemocratização do nosso país, o quanto que a pedagogia de Paulo Freire contribuiu para o fortalecimento dos movimentos sociais brasileiros. Por isso que sou tão grande admirador desse brasileiro que nos apresentou a noção de ensinarmos o educando a partir do conhecimento deste. E você sabe que a universalização da educação básica não tem surtido o efeito esperado no que tange à qualidade; sem falar que os caminhos apontados para a educação do futuro não são tão palpáveis como se faz necessário, daí porque nós dois, e todos que lidam com a educação neste país, vemos uma crise na educação.
De toda forma, a educação do futuro, Dom Germano, terá os moldes da pedagogia de Paulo Freire. A educação do futuro será de transformação social e não de transmissão de cultura. Será uma educação que fará do cidadão um contestador, um inquieto em relação à sociedade, ao Estado e ao mundo. E vendo essa sociedade bombardeada de informações por todos os lados, devemos nos questionar a respeito dos espaços educacionais.
Pois bem, é notório que vivemos a Revolução da Informação. As novas tecnologias possibilitam o contato com a informação em ambientes e lugares antes inimagináveis. Assim, o papel da escola se renova; esta passa a ser espaço de deglutição da informação que se deteve em outros espaços, isto é, à escola cabe formar o pensamento crítico do aluno, já que este recebe rapidamente a informação em outros espaços, isso porque a informação chega tão rápida que o educando não encontra tempo para formar sua opinião, sua visão crítica.
Dessa forma, Dom Germano, não tenhamos tanto medo da educação do futuro. Somos pessoas bem preparadas, bem instrumentalizadas, cheias de novas teorias e com uma vontade intensa de sermos agentes modificadores da educação. Gadotti citando Delors, apresenta-nos quatro pilares para pensarmos a educação do futuro: aprender a conhecer, isto é, sermos curiosos, reinventarmos o pensar, o novo, o futuro; aprender a viver juntos, compreendendo o outro, desenvolvendo a percepção da interdependência e da não-violência; e aprender a ser inteligente, sensível, ético, responsável por si, espiritual, crítico, imaginativo, criativo e de iniciativa.
Sim, amigo, você verá ainda no artigo que o autor nos propõe refletir sobre algumas categorias da educação do futuro. Tais como: Cidadania, onde a escola educaria para a cidadania ativa, isto é, a escola teria uma percepção cidadã em suas diferentes práticas; Planetariedade, onde discutiríamos a cidadania planetária, ou seja, todos fazemos parte do Planeta Terra. Ora, nada mais justo do que trabalharmos nas escolas as implicações ocorridas na Terra, criando a ecopedagogia; Sustentabilidade, levantaríamos o tema da sustentabilidade do planeta, vinda de uma educação sustentável para nosso planeta, não para a sua degradação; Virtualidade, discutiríamos nas escolas a era da informação, com seus computadores, com a internet e todas as conseqüências trazidas por essa realidade; Globalização, o processo de globalização é uma realidade que está modificando a política, a economia, a cultura, a história e, conseqüentemente a educação. Portanto, devemos refletir a respeito do processo de globalização da economia, da cultura e das comunicações; Transdisciplinaridade, nessa categoria, Dom Germano, o autor nos faz alguns questionamentos, “como construir interdisciplinarmente o projeto pedagógico da escola?”, ”como relacionar multiculturalidade e currículo?”, “como trabalhar os temas transversais?”. A tais perguntas, Dom Germano, fico aguardando suas reflexões para eu também elaborar possíveis posições referentes às mesmas; Dialogicidade ou dialeticidade, nesta, dialogaríamos com as categorias freireanas e marxistas, construindo um programa de desenvolvimento para a educação que almejamos no futuro.
Pois bem, caro amigo, o artigo de Gadotti é riquíssimo para todos que estamos envolvidos com a educação. Peço, mais uma vez, que você leia o artigo para melhor debatê-lo comigo e desfazer as minhas idiossincrasias que lhe transmiti nesta correspondência.
Aguardando ansiosamente por suas reflexões.
Seu amigo,
Karlos Lory de Oliveira.
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Juazeiro, 31 de outubro de 2008.
Prezado Loray,
Muito me orgulha o fato de a mim você ter destinado tua tão cativante missiva, com o fim de, juntos, construirmos ainda mais firmes as portas do castelo do pensamento que temos acerca do motivo educacional, aqui visto tanto localmente quanto globalmente. Mas digo a você que surpreso não estou, posto que já somos partidários de idéias semelhantes desde que nos conhecemos, apesar das proveitosas discordâncias que desembocamos.
Sabemos nós dois que a situação da educação mundial não é das melhores. Presenciamos disparidades e pouca equivalência na disposição dos valores intrínsecos a ela e seus resultados. A conseqüência é um mundo desigual, recheado de desumanidades e regado às relações de poder e subserviência – e você, mais do que eu, sabe muito bem do que estou a falar. Você, ao contrário de mim, estudou em escolas da rede pública do nosso país e certamente atravessou aspectos de uma realidade muito mais cruel que oportunizei durante o tempo de minha formação básica. Por isso, acredito em heróis e você é um deles.
Devo admitir de antemão, caro Loray, que você me colocou dificuldades imensas quando de suas perguntas e interrogações. Mas aqui estou para dialogar e tentar ajudar neste movimento contra as sombras escuras. E não sei como responder ao teu primeiro questionamento. Não sei porque não é simples, e o que não é simples é deveras complexo. Todavia, reflito. E o também simples ato de se pôr à reflexão já é uma parte que adubo em todo este latifúndio.
Acabo de ler o artigo por você citado e agora teço minhas considerações. Moacir Gadotti amplia a esfera de atuação e importância da educação no início do texto. Faz um apanhado dos últimos séculos e destaca a produção de uma nova sociedade, com novas morais e valores, com novas éticas, dotada de novos meios e de novos habitantes-competidores, cada vez menos humanos. Não que ele afirme isso, mas é o que enxergo como subsídio para o encaminhamento da idéia do autor. E nos deixa uma pergunta: e qual é a da educação dentro desse turbilhão de transformações?
Também acredito que estamos numa época que necessita de um ideário sólido, inquiridor e que exercite suposições e teste o que for preciso, sempre com cautela e bom senso. Mas de uma coisa precisamos sem erro: de esperança. Sem este sentimento, não caminharemos para lugar algum. A esperança nos faz olhar melhor e enxergar melhor. Coisas antes nubladas conquistam a liberdade de serem vistas. É assim com a educação, é assim para com o homem. Não esqueçamos jamais da esperança. Necessitamos.
Para entendermos o que agora nos é bastante perceptível, necessitamos obviamente de elaborarmos um roteiro de retorno ao passado histórico da educação para, no justo desígnio de apreciarmos novas formulações e mais positivas, fomentarmos novos paradigmas e alicerces para a execução de uma educação que deixe de privilegiar o indivíduo, como assim propuseram o modelo tradicional e a nova, e agora transferir todos os instrumentos e progressos para um processo que tenha como ápice a geração de um coletivo crítico, sabedor, informado e praticante.
Não importa o nome desse novo modelo educacional, mas sim que ele saiba dar as mãos para uma maioria, e não continuar sendo um aparelho segregacionista, preconceituoso e destruidor de sonhos. Creio que a educação internacionalizada desprestigia o uno, o que é de caráter particular de uma respectiva região, o que é culturalmente instituído como sendo de valor incomensurável, protegendo interesses maiores e mais distorcidos. O aprendizado partido da esfera do local para o global, talvez seja o caminho mais prolífico para o desenvolvimento e defesa dos valores de um povo, de uma nação. Você deve pensar assim, indubitavelmente.
A acelerada mudança do mundo através da fortificação de uma sociedade da informação e da comunicação fez transbordar novos destinos educacionais para o século XXI, como a intensa necessidade, diria obrigatoriedade, de se produzir uma educação qualitativamente respeitável para todos, posto que a consciência de que a educação bem feita é um direito inalienável e irrevogável ao ser humano, e que educação excludente não significa educação de qualidade.
Loray, o massivo acesso aos sistemas e projetos educacionais tem confeccionado um maior interesse na inclusão e remanejo cada vez maior pela demanda de uma educação necessariamente de boa qualidade. Grupos sociais e comunidades que antes penavam sem acesso nem mesmo à educação primária, hoje já se comportam como cidadãos, usufruindo bons anos nos sistemas educacionais. Não é satisfatório que a escola persevere atuando com paradigmas criados em séculos passados, claramente insubstanciosos e incapazes de atender às premissas do presente momento.
Cabe aos educadores, motores maiores de todo esse processo, buscarem mais e mais o conhecimento do mundo tal como é hoje, para que se possa edificar uma visão mais ampla das perspectivas vindouras. É preciso elaborar uma reflexão de como as pessoas se sentem diante do mundo neste exato momento e qual a potencialidade que julgam ter para contribuírem para uma efetiva transformação e encontrar nesse mesmo mundo um lugar para si e, conseqüentemente, auxiliar o outro numa descoberta semelhante.
Não respondo nada porque somente a palavra aqui não é o bastante. Para tais esclarecimentos, preciso é dialogar, interagir, compartilhar, buscar, alimentar, usar, recortar, transferir, humanizar, ensinar, aprender, auxiliar, direcionar, esperançar, intuir, sonhar. Todas estas palavras são palavras de mudança, e é de mudança que a educação espera.
Estamos juntos e não desistimos.
Com afeto,
Germano Viana Xavier.
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