terça-feira, 3 de abril de 2012

Alice e os sinais



 Por Germano Xavier

Alice quis falar de amor quando, no telhado de sua casa, atirou em minha direção o que sobrou da velha antena parabólica. Falar de amor, para ela, era falar de tudo o tanto, feição das horas. O que acabava tinha de ser amor, mas poderia ser chamado de avental, ou de cabide. Talvez o nome de um país. Inglaterra, quiçá! Alice era amante, e falava sempre no total das vestes do amor. A parabólica não passava de um mito. A captação dos sinais era feita por um receptor interno potentíssimo. As mensagens tanto chegavam como se despediam. A lama era sempre nova. Alice quis falar de amor até na vez em que fez dos longos canudinhos de alumínio da antena parabólica a letal arma contra a estupidez humana. Ela seria assim, biscoito de se quebrar. A maquininha da boneca de plástico, o motorzinho de dentro a pulsar o sangue que havia. O coração de Alice batia no giro da pá do catavento. Batia girando, girava de brincadeira. Era sempre uma carinha de alegre o semblante da menina. Ela amava, assim, como o vento ama a caminhada longa e sem barreiras. Amava sem pressa, sem cor o amor de Alice, sem cera, sincera. Amar era a palavra de Alice. Amar era o verbo de Alice. Amar fazia de Alice a menina mais bela, porque era ela o amor. O amor era Alice, era sua palavra e o seu verbo, seu verbo materializado, vivo no papel, esperando longe a ânsia de ser. Foi Alice quem descobriu que para amar basta dobrar o fio da tomada e amarrar com o aramezinho do saco de pão, que o amor é volátil como o litro de álcool que ela trouxe do supermercado para ajudar na feitura das unhas, que para amar é preciso desligar a televisão e deixar a caixinha de fósforo do lado esquerdo do fogão, para acender na véspera do vendaval. Alice amava abrindo potes e lavando os pratos, em exercício de cozinha. O tempero do amor era o caldo do feijão verde, com cebolas tostadas, alho e um pouco de sal. O amor corado, borbulhando a incerteza das horas e o próprio estado de efemeridade que é amar... Alice pegava as facas e ia cortando as carnes, esquartejando-as. O osso ficava para os cachorros. Todo o resto não combina com o amor. Amar é cortar, lâmina afiada de aparar fagulhas. Depois, Alice era máquina de moer, pois amar é moer, é pisar na carne, amassá-la, apertá-la, comê-la. Porque Alice era menina de pular do telhado, sem medo de cair de rosto no chão, e sangrar o sangue das enfermarias...

6 comentários:

Anônimo disse...

Essa Alice é como se diz muitos por ai algo concreto e não concreto do amor. Ela é o sentimento confuso que se entende ao ver a lua. Gostei muito.

Beijos lindo.

Keyla Carvalho disse...

Alice...Alice...srsrs

controvento-desinventora disse...

Alice, politicamente incorreta, por isso amável.

Letícia Palmeira disse...

Ainda tenho esse texto escondido no cosmic library. Quando quero lembrar de coisas, eu vou até lá, leio, me certifico de tudo que vivi e volto. Mas sempre fica algo em mim. Talvez seja aquilo que muitos chamam de saudade. Eu não gosto de clichês. Mas sinto saudade de quando nos conhecemos pela literatura.

Era um bom tempo.

Ana Lucia Sorrentino disse...

Gostei da Alice... :)

Lídia Borges disse...

Um verdadeiro prazer, esta leitura.

Um beijo